Covid-19: Nicolelis sugere novo lockdown para "evitar 2ª leva de mais de 300 mil mortes em 2021"

Atual coordenador da comissão científica do Consórcio Nordeste critica inoperância do governo federal. O neurocientista alerta ainda para lotação dos sistemas hospitalares e constata velocidade maior de crescimento de casos

00:30 | Jan. 07, 2021

Por: Redação O POVO
Miguel Nicolelis fala à rádio O POVO/CBN sobre o enfrentamento à pandemia de coronavírus em 2021. (foto: José Luiz Somensi/Fronteira de Pensamentos)

"Acabou. A equação brasileira é a seguinte: ou o país entra num lockdown nacional imediatamente, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021". Com essa constatação realizada pelas redes sociais no início da semana, Miguel Nicolelis alerta para uma previsão alarmante para uma segunda onda da Covid-19 no Brasil, em 2021. Neurocientista brasileiro com reconhecimento internacional, o atual coordenador da comissão científica do Consórcio Nordeste para combate ao coronavírus foi entrevistado na rádio O POVO/CBN na manhã desta quarta-feira, 6 de janeiro. Confira os destaques. 

Ouça a entrevista de Miguel Nicolelis à rádio O POVO/CBN na íntegra

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Questionado sobre o embasamento estatístico para sugerir um novo lockdown em todo o Brasil, Nicolelis trouxe à tona o recente caso de Manaus, que decretou estado de emergência por 180 dias e sofre com a sobrecarga de hospitais e cemitérios. "O prefeito teme que nos próximos dois meses possa ter um colapso funerário, ou seja, não seria possível dar conta do número de corpos resultantes da pandemia. A cidade está completamente fora de controle, possui taxa de ocupação hospitalar próxima de 100% e com filas de espera já", afirma.

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"Naquele momento (em que publicou nas redes sociais), eu tinha terminado uma análise de todas as capitais brasileiras e visto que, por exemplo, no Nordeste, oito, das nove capitais, apresentavam tendência de crescimento do número de casos de coronavírus. Isso antes mesmo da gente computar o efeito das festas natalinas e de réveillon", explica. "Nós tínhamos, pelo menos, três capitais com velocidade de contaminação maior do que no começo da primeira onda, em março e abril, mostrando claramente que nós temos que agir antes que o efeito das festas de final de ano seja sentida, que vai ser nas próximas semanas", complementa o neurocientista, que também cita maiores taxas na região Sul e em estados como São Paulo e Rio de Janeiro.

Na percepção de Nicolelis, a questão mais emergencial com o novo avanço da pandemia recai nos sistemas hospitalares, que podem não suportar as altas demandas de infecção em um futuro breve. Ao constatar que a taxa de crescimento das contaminações pelo vírus está atingindo índices superiores aos registrados no início da pandemia, ele sugere isolamento social mais rígido: "o Brasil precisaria seguir o exemplo do Reino Unido e fazer um lockdown de duas a três semanas, para baixar o crescimento e evitar o colapso até que nós tenhamos a campanha nacional de vacinação nas ruas".

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O médico ainda demonstrou forte oposição às ações do governo federal, do qual chama a atenção. "Nós temos que ter um Comitê Nacional com todas as instituições e lideranças essenciais para que esse plano seja posto em prática o mais rápido possível. O Ministério da Saúde precisa entender e o Governo Federal precisa entender que não há mais tempo a perder, acabou a margem de manobra", defende. "Não temos mais nenhum tempo a perder para evitar uma segunda leva de mais duzentos ou trezentos mil óbitos em 2021, e evitar com que a pandemia se estenda até 2022."

Confira outros pontos

Contexto cearense

"O Ceará fez um dos melhores lockdowns do País. Fortaleza, teve um dos melhores, junto de São Luiz. Se não tivesse tido, o número de vítimas do Estado seria muito maior. Foi exatamente isso que nós mostramos aos governadores no dia 16 de maio do ano passado. Para todos eles nós mostramos os cálculos para cada estado. Os resultados mostram que, se não houvesse um isolamento social, as previsões de casos e óbitos seriam duas, três vezes maiores do que nós tivemos. Eu lamento profundamente que nós tivemos duzentas mil mortes no Brasil e dez mil mortes no Ceará, só que esse valor no Ceará poderia ter sido duas, três vezes maior, se nada tivesse sido feito."

Conscientização nacional

"Infelizmente, não houve uma mensagem categórica, transparente, nacional, que demonstrasse que, antes que a vacina seja disponibilizada, o isolamento social e o uso de máscaras são as poucas ferramentas que nós temos disponíveis pra impedir uma explosão de casos em todo o País. Infelizmente, a população não foi informada devidamente. A dicotomia 'salvar a economia - salvar vidas' começou a dominar o discurso, desde da primeira onda aqui no Brasil, e esse discurso não foi devidamente esclarecido. Se nós começarmos a ter um número de óbitos exacerbado e uma falência do sistema de manejo de corpos no Brasil, como ocorre em Manaus, não adianta nada tentar preservar a economia, porque nós teremos uma crise social e uma crise econômica de enormes proporções. É por isso que nós, cientistas, epidemiologistas e comitês científicos, no mundo inteiro, estão tentando olhar pro futuro, semanas do futuro. Nós não estamos olhando nos dados de hoje só."

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Segunda onda

"Desde as primeiras reuniões do nosso comitê (Consórcio Nordeste) com os governadores, nós alertamos que uma segunda onda era uma realidade. O que nós precisamos agora é de liderança, de estadistas pelo Brasil que ponham com transparência a gama de dados que temos disponível e os riscos que estamos enfrentando. Se nós tirarmos vantagens disso, com isolamento social mais restrito por um período curto, podemos baixar o número de casos, baixar o número de óbitos e salvaguardar o funcionamento do sistema hospitalar até que tenhamos a campanha de vacinação funcionando."

Erros repetidos

"A região Sudeste, hoje em dia, está numa situação crítica. É só olhar os dados das capitais - São Paulo, Rio de Janeiro, provavelmente já estão com taxa de ocupação acima de 90% das UTIs. Esse efeito cascata vai começar a se espalhar por todo o Brasil, porque o Brasil é um país altamente conectado por rodovias e pela malha aeroviária. Então, nós estamos tentando oferecer recomendações semanas antes de que uma crise hospitalar se institua, não só em Manaus, mas em outras regiões e talvez em todo o País. Nós estamos repetindo os mesmos erros da primeira onda, estamos mantendo o espaço aéreo brasileiro aberto pra voos internacionais que podem trazer uma nova cepa mais transmissível pro Brasil. Já trouxe aliás, né? Nós já temos em São Paulo dois casos confirmados. Nós estamos mantendo as rodovias sem bloqueios sanitários, sem reconhecimento do fluxo de pessoas. Pessoas, pelas rodovias e pela malha aeroviária, que transmitem o vírus, além da transmissão comunitária."

Perspectiva nacional

"O Brasil é um dos únicos países do mundo onde não houve um planejamento e uma ação nacional. Um país continental como o nosso, que tem realidades extremamente diversas, necessitava claramente de uma coordenação nacional. Uma de Estado-maior, vamos dizer, de combate à pandemia, que também fosse uma fonte de informações seguras, corretas pra orientar os gestores estaduais e municipais e também a população. A gente não pode esquecer que o o auxílio emergencial aparentemente não vai ser restaurado, ele acabou agora em dezembro e esse vai ser um outro fator fundamental. Em várias capitais brasileiras a velocidade de crescimento dos casos já é mais rápida do que ocorreu na primeira onda; você tem que olhar para essa situação e agir de maneira coordenada, senão nós podemos ter algo pior do que foi a primeira onda. Nós vamos ter um repique de casos, infelizmente, de óbitos, em algumas semanas, como resultado das aglomerações absurdas que nós observamos durante as festas do final de ano. Isso nem está computado ainda nos cálculos que fizemos nos últimos dois dias, mas que ele vai vir, ele virá".

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