Nove meses em isolamento: conheça pessoas que têm mantido cuidados em casa devido à pandemia de Covid-19
O POVO ouviu relatos de quem ainda não se sente seguro para sair de casa e tem a oportunidade de continuar com o isolamento social, medida importante na prevenção ao coronavírus
14:37 | Dez. 29, 2020
Já se passaram nove meses desde que os primeiros casos de Covid-19 se confirmaram no Ceará, as medidas de isolamento social foram decretadas e a vida mudou totalmente. Com o tempo, o medo do novo vírus parece ter arrefecido, mas tudo indica que ainda teremos de conviver com ele por algum período. Apesar do desrespeito de muitos às medidas sanitárias, há pessoas que continuam preservando cuidados de prevenção à doença.
A médica oftalmologista e psicanalista Marúcia Benevides está em casa desde março, quando ainda não fazia ideia de que precisaria ficar reclusa durante todos esses meses. As únicas duas vezes em que ela saiu apenas para espairecer foi de carro, e sem descer do veículo.
Por fazer parte do grupo de risco da Covid-19 em razão da diabetes, a médica residente no bairro Guararapes, em Fortaleza, conta que tem optado por se resguardar ao máximo. “Tem sido tranquilo, eu acho que não esperava aguentar esse tempo todo. Para mim tá tranquilo porque sou diabética e fiquei mais receosa. Então, prefiro me resguardar já que tenho essa oportunidade”, relata ao O POVO.
Morando com o esposo, a filha e o genro, Marúcia diz que somente o marido tem saído para trabalhar, enquanto os demais, incluindo ela, estão em home office. A psicanalista realiza atendimentos por meio da internet e, para preencher a rotina, investe em leituras e estudos.
Marúcia reconhece que muitas pessoas não podem fazer isolamento social porque precisam sair de casa para trabalhar, mas acredita que há "muita falta de empatia" se referindo a quem escolhe se aglomerar em festas e outros eventos. “Não é pensar somente em você. O que a gente tá presenciando [nas aglomerações] é muita falta de empatia e de humildade. Já que não se importam consigo mesmo, que possam se importar com o próximo”, pede.
A vacina é a esperança de uma rotina um pouco mais próxima da que Marúcia conhecia antes da pandemia. “Não é que eu acredite que as coisas voltem [totalmente] ao normal, mas acho que com a vacina, pretendo voltar a fazer atividade física e encontrar alguns amigos. A gente tem saudade, mas é preciso ter resiliência. Que é uma fase que vai passar”, confia.
Assim como Marúcia, a estudante e designer Lívia Rodrigues, 22, conta nos dedos as ocasiões em que precisou sair nesses últimos nove meses de pandemia. Fora as poucas saídas para pesquisar um apartamento e realizar consulta médica e exames, ela tem se mantido em sua casa, localizada no Bairro de Fátima, na Capital.
Diagnosticada com lúpus, doença autoimune rara que causa um desequilíbrio do sistema imunológico, Lívia explica que não se sente segura para sair como antes por fazer parte do grupo de risco da Covid-19. Além disso, seu pai é hipertenso e quase obeso — comorbidades que também acendem o alerta no caso da infecção causada pelo coronavírus.
“Segurança total acredito que só com as duas doses da vacina”, declara. Lívia mora com o irmão e os pais, que são os únicos a sair para fazer compras. A jovem opina que o descumprimento de regras sanitárias por parte da população em geral decorre muitas vezes de um sentimento de impulsividade.
“Não conseguem abdicar de eventos sociais e esperar a situação melhorar porque querem viver no prazer do agora. Ou porque têm dificuldade de associar que a probabilidade de se contaminarem mesmo estando com a própria família é alta”, considera.
Mesmo sabendo que estar em casa é o mais seguro no momento, Lívia relata que sentiu os impactos emocionais trazidos pela pandemia e o distanciamento do contato social. “Eu fui atrás de um psiquiatra porque minha ansiedade piorou muito durante a pandemia."
Hoje a estudante faz terapia e procura reforçar os laços sociais com amigos por meio do WhatsApp e de chamadas de voz. Nesse Natal, ela diz que a celebração se limitou a um jantar familiar em casa, e a passagem para 2021 será da mesma forma.
Impactos do isolamento social
Os humanos são seres sociais e esse é um dos motivos que possibilitou a evolução da humanidade. Essa sociabilidade inerente a nós foi drasticamente atingida pela pandemia do novo coronavírus, como lembra a psicóloga clínica Vivianne Paixão.
A especialista acredita que cada pessoa tem uma reação muito particular ao momento atual. Porém, a separação de entes queridos, a perda de liberdade, as incertezas e frustrações decorrentes do contexto pandêmico podem acarretar reações psicológicas, inclusive por meio de sintomas físicos como tremores, dor de cabeça, palpitações e sinais como choro, sentimentos de fracasso, solidão e medo.
“A boa notícia é que somos indivíduos adaptáveis e a grande maioria de nós conseguimos enfrentar tais impactos e progressivamente nos adaptarmos ao novo contingente”, indica.
A orientação da psicóloga para as pessoas que estão sentido de forma mais severa essas repercussões é exercitar a auto-observação e adotar estratégias que minimizem possíveis consequências, como procurar um psicólogo.
“É um esforço para todos pois ainda não há previsão de quanto tempo esse vírus nos ameaçará. Em tempos que precisamos cuidar de nossa saúde mental, o ideal é praticarmos a tríade solidariedade, compaixão e empatia”, finaliza.
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A necessidade do isolamento
Se houver possibilidade, é importante que se mantenha o isolamento social, conforme reitera a infectologista Melissa Medeiros, do Hospital São José (HSJ), em Fortaleza. “Estamos virando o ano, mas infelizmente a pandemia não acabou. Estamos vendo inclusive os indicadores aumentando em outros países”, alerta.
A especialista avalia que o Ceará possui uma taxa de transmissão estável atualmente, e “os serviços de saúde não estão sobrecarregados”. Contudo, há cerca de um mês e meio ela tem notado um aumento nos atendimentos e internações de pacientes com suspeita de infecção pelo coronavírus.
“É principalmente importante manter o isolamento naquelas pessoas mais suscetíveis [à doença]: mais velhas e com comorbidades, como diabetes, hipertensão e câncer”, enfatiza a infectologista.
Melissa projeta que até a chegada da vacina contra o Sars-Cov-2, o isolamento social é necessário para que seja possível controlar a disseminação do vírus e as pessoas possam voltar a circular de forma mais livre. A médica estima que seja necessário vacinar pelo menos 40% da população para debelar a transmissão da doença.
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