Os desafios do retorno das aulas presenciais em creches e escolas no Ceará
Pedagogas comentam sobre dificuldade que crianças têm de cumprir regras de distanciamento social e alertam: o que será do aprendizado e desenvolvimento educacional de crianças sem a possibilidade da interação?
É também pelo toque que os pequenos se comunicam, se expressam, exploram o mundo e aprendem. Nesses tempos de pandemia do novo coronavírus, que exige o uso constante de máscaras e distanciamento social, explicar tudo isso às crianças requer cuidado. Já não é mais possível ir à escola como antes, nem brincar com os amiguinhos na hora do intervalo (realidade que, de acordo com estudos, só será possível e segura com a chegada da vacina). O jeito tem sido estudar remotamente - contexto que se apresenta diferente para crianças de escolas privadas e públicas.
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Um pesquisa espanhola divulgada no início do mês de junho trouxe um dado preocupante: colocar 20 crianças numa sala de aula implica em 808 contatos cruzados em dois dias. Se o número de crianças subir para 25, o de pessoas envolvidas aumentaria para 91 no primeiro dia e 1.228 no segundo. Além dos perigos para a saúde, especialistas alertam para outra questão importante: a falta de interação e toque entre crianças afeta diretamente o desenvolvimento educacional. Isso porque os pequenos aprendem também através de brincadeiras e exercícios que exigem proximidade.
É o que Maria de Jesus, pedagoga e integrante do Fórum de Educação Infantil aqui no Ceará, pondera. "O que se sabe pela Ciência é que as crianças pequenas não são as mais suscetíveis ao vírus. No entanto, elas transmitem de modo assintomático. Ela pode levar o vírus da instituição para suas famílias, por exemplo", comenta. A opinião da pedagoga é que ainda não é hora de abrir as escolas, especialmente para crianças pequenas, seja a instituição pública ou privada. "Não dá para trabalhar com distanciamento, porque elas aprendem com brincadeiras", reforça.
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Outro problema é a falta de estrutura e equipamentos adequados para esse possível retorno. A pandemia exige cuidados sanitários ainda mais reforçados para evitar disseminação do novo coronavírus, mas não é incomum observar escolas e creches onde faltam produtos básicos. Para Maria de Jesus, pensar um retorno requer que o Governo estabeleça uma agenda de gestão interinstitucional, que consiga garantir segurança. "Têm algumas coisas que não se pode abrir mão na educação. As crianças, principalmente as menores, têm um processo de aprendizagem que se dá pela afetividade. E posso dizer com bastante segurança que algumas instituições não têm condições mínimas, como água encanada, pia, esgoto", comenta.
Por outro lado, segundo a pedagoga, a pandemia traz uma urgência em relação à educação brasileira que vem sendo debatida pelos profissionais: os processos de aprendizagem das crianças, que não precisam ser somente dentro da sala de aula. Pensando nisso, Maria de Jesus, que também integra a Frente Nordeste Criança, elaborou, em conjunto com outros especialistas, um documento denominado "Retorno à creche e à escola: direitos das crianças, suas famílias e suas/seus educadoras/es, gestoras/es, professoras/es e funcionárias/os". A ideia é tratar o retorno presencial, após a quarentena, com atenção para educação e zelo psicossocial das crianças.
O caderno ressalta a necessidade de políticas intersetoriais que subsidiem os protocolos a serem implementados pelos estados e municípios no retorno às atividades educacionais presenciais. "Sugere-se inicialmente que estes sejam construídos por procedimentos que coloquem em diálogo profissionais da educação, da cultura, da assistência social e da saúde", aponta o documento. Em resumo, o caderno propõe as seguintes fases para o retorno presencial após quarentena:
- Elaboração dos protocolos de retorno;
- Reformas e adaptação dos espaços das unidades;
- Instituição de comitê intersetorial;
- Orientações para a elaboração dos planos de ação de retorno das unidades;
- Formação dos/das profissionais da educação;
- Escuta das famílias (para levantamento da situação de crianças e famílias, apresentação do planejamento para o retorno com as crianças e explicações sobre as medidas sanitárias e pedagógicas adotadas).
De acordo com a Frente Nordeste, as fases envolvem o acolhimento dos educadores, monitoramento do plano de retorno da unidade e acolhimento das famílias e das crianças.
Você pode ler o caderno completo clicando aqui.
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No Ceará, conforme anúncio do governador Camilo Santana no último sábado, 1° de agosto, todas as escolas iniciarão o período letivo exclusivamente de forma remota, seguindo um planejamento de ações com o intuito de preservar o processo de ensino e aprendizagem de maneira segura. "As aulas presenciais só voltarão após divulgação de decreto governamental autorizando e normatizando a retomada destas atividades", disse a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) em nota ao O POVO.
A nota também informa que a abertura oficial do semestre letivo foi feita pela secretária da Educação, Eliana Estrela, nesta segunda-feira, 3, às 9 horas, no canal da Coordenadoria de Formação Docente e Educação a Distância da Seduc no Youtube. O retorno às atividades domiciliares está previsto para o próximo dia 10. "Os protocolos de segurança sobre possível retomada estão sendo organizados pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Todas as decisões do Plano de Retomada são baseadas em estudos e relatórios realizados pelo comitê da saúde, sob o comando do secretário Dr. Cabeto, e compartilhadas com o comitê que reúne Governo do Estado, Prefeitura de Fortaleza, Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa, Ministério Público Estadual e Federal", completa a Seduc. O POVO também solicitou entrevista com a Secretaria Municipal de Educação (SME), mas ainda não obteve retorno.
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Aprendizagens são diferentes em cada momento da vida
A primeira dificuldade no retorno das aulas presenciais para crianças já se dá no uso da máscara, que não é recomendado para pequenos de até dois anos. Para as demais, fazer com que elas não tirem a proteção é também outro desafio. A doutora em Educação e especialista em educação infantil e primeira infância, Sílvia Helena Vieira, vê um certo "desconhecimento" de autoridades sobre o tema. "O secretário de Educação de São Paulo, por exemplo, disse que o retorno deveria começar pela educação infantil. Acredito que há desconhecimento do que seja uma creche, que possui características própria", comenta Sílvia.
Nesse ponto, a pedagoga reforça que quando se trata de educação de crianças, não há como deixar de lado suas identidades e a forma como exploram o mundo. E se o toque, a interação, o movimento livre estão sendo evitados nesse momento de pandemia, o aprendizado dos pequenos não acontece como deveria. "Essas aprendizagens são diferentes em cada momento da vida. Crianças pequenas aprendem pela exploração concreta das cosias. Não pode confundir essa criança com um estudante de ensino médio, por exemplo", afirma Sílvia Helena.
Segundo a especialista, o retorno presencial deve ser pensado de uma maneira responsável, com "um balanceamento entre vantagens e riscos". "Um retorno responsável considerando as características do sujeito. E também pensando que a creche e a pré-escola não vão se transformar em um hospital", alerta Sílvia.
A possibilidade de um retorno fica ainda mais embaçada quando questões estruturais se somam a outros problemas gerais da pandemia, como a falta de testagens em massa. A criança, geralmente assintomática, tanto pode trazer o vírus para a creche ou escola, quanto levá-lo de lá para casa. Sílvia, entretanto, chama atenção para a necessidade que as famílias têm de deixarem suas crianças nas instituições, como o caso de pais e responsáveis que precisam voltar a trabalhar.
Para a doutora em educação, dois eixos devem ser levados em conta ao se pensar retorno presencial: a situação concreta das creches e escolas (há áreas externas suficientes para as crianças? e pias e banheiros?); e o processo de formação dos profissionais da educação e outros profissionais da escola para aprenderem a lidar com o tema.
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