Influencer cria grupo de WhatsApp para mães solo compartilharem experiências durante a pandemia

Iniciativa já reuniu 50 mulheres que trocam apoio jurídico e emocional entre si; 11 milhões de mães solteiras no Brasil podem estar passando por dificuldades que se agravam devido à Covid-19

Falta algo em meio ao isolamento social. Falta um abraço, falta mais dinheiro, faltam cuidados próprios quando o outro vem como prioridade devido ao perigo da Covid-19. Para milhões de brasileiras que vivem como mães solo, a realidade das ausências traz um peso maior com o novo coronavírus - e foi com esse pensamento que a influencer Ianne Saboia teve a ideia de conectar diversas vivências que em comum tem uma intersecção: a da sobrecarga de ser mãe solo diante de uma pandemia.

Quando casada, Ianne já trabalhava com os assuntos de maternidade e família em um blog nas redes sociais. No entanto, o fim do casamento trouxe a ela um processo de reconstrução pessoal junto à filha de dois anos. No Instagram, onde manteve um perfil pessoal que agregava amigos e seguidores fiéis do antigo projeto, a estudante de Direito continuava a receber relatos de mulheres: sobre aquele relacionamento abusivo que viveu, aquela sensação de carência no casamento, aquela outra sensação de perder amizades após o nascimento do filho. Apesar dos diversos comportamentos e experiências, percebeu então que os relatos se repetiam e se intensificaram no contexto do novo coronavírus. E foi daí que veio ideia de criar um grupo de WhatsApp. “Resolvi envolver essas mulheres para trocarem não só desabafos, mas experiências para que se sintam inseridas, válidas e abraçadas nesse período de pandemia.”

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No grupo, as 50 mulheres de diversos lugares do País compartilham dicas de amparo psicológico e jurídico entre si, além das experiências diárias com os filhos e dicas para lidar com o isolamento social intenso. Sem a escola ou sem visitas de parentes devido ao contágio da doença, muitas mães já sozinhas perderam redes de apoio antes presenciais. "Quando a mãe solo costuma encontrar um espaço de fala, muitas vezes se sentem deslocadas: são grupos de "mães de escola" e outras esferas que geram a exclusão da mãe solo por não compartilharem as mesmas experiências".

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O reconhecimento de mães solo na sociedade brasileira está além de crianças que não têm registro paterno e não são assumidas pelo genitor. Elas não costumam ter o apoio diário do pai nas escolhas da vida da criança e não tem sua vida compartilhada, em específico, com eles. "Avós, tios ou amigos não substituem o pai da criança. Se você criou seu filho sozinho, você é mãe solo". Sob os contornos de raça e situação socioeconômica, 11,6 milhões de brasileiras se identificam como mães solteiras no Brasil em último levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros 5,5 milhões não tem o nome do pai no registro de nascimento, com base no último Censo Escolar divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça.

As políticas públicas ainda não são suficientes para essas mulheres, situação que se agrava diante da pandemia. Segundo dados do Instituto Locomotiva, 8 em cada 10 mães solo tiveram a renda familiar reduzida devido à Covid-19. Ianne estuda a área das políticas públicas para mulheres e explica o problema ao exemplificar o caso de Miguel Otávio. Na última terça-feira, 2, Miguel pediu para acompanhar a mãe, Mirtes Renata, ao trabalho. Sentia saudade dela, que em plena pandemia continuava a trabalhar como empregada doméstica em um condomínio de luxo no Recife. Mirtes precisou descer para passear com o cachorro da patroa, que ficou com a criança. No entanto, impaciente, a suspeita deixou Miguel entrar sozinho no elevador e o enviou quatro andares acima. Perdido, a criança teria entrado no vão de um dos condensadores de ar, e, ao ver a mãe no térreo, teria caído de uma altura de 35 metros.

“Essa mãe, no contexto da pandemia, precisou levar o filho para o trabalho porque não teve suporte de uma creche para deixar a criança e ir trabalhar. A pandemia não fez o mundo parar para muitas mulheres e só agravou a questão de quem deixar esse filho. E no pós-pandemia, como vai ser?” Evidências de atendimento insuficiente na demanda de creches públicas em Fortaleza são uma das problemáticas que ainda persistem.

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As dificuldades agravadas com a pandemia transformam-se em uma "bola de neve" ao mesmo tempo em que viabilizou oportunidades para essas mulheres, como explica Ianne. Muitas precisaram criar uma renda própria e no grupo encontram dicas, outros negócios e, principalmente, incentivo. "Tem muitos relatos de mulheres que não tinham coragem de empreender e agora estão fazendo. Há uma troca de experiência e incentivos e no pós-pandemia isso vai ser bacana para todas elas", comemora.

As mães solo interessadas em participar do coletivo devem entrar em contato com Ianne pelo direct - serviço de mensagens privadas do Instagram - de seu perfil, preencher um formulário e concordar com os termos do grupo, enviado antes para a mãe interessada em aderir às conversas. Para Ianne, a tendência é aumentar os contatos e constituir uma própria rede de apoio entre elas quando as outras falham. "As mulheres quando se juntam tem uma força tremenda. Muitas delas já estão se sentindo invalidadas o tempo inteiro e é importante quando elas expressam o que sentem".

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