Médicos do Ceará formam coletivo para "defender vidas, o SUS e a ética médica"

O POVO conversou com uma das organizadoras do grupo. Para Liduina Rocha, a pandemia é um trágico e amargo exemplo do quanto o Sistema Único de Saúde (SUS) é necessário no País

13:51 | Jun. 04, 2020

Por: Gabriela Feitosa
Coletivo tem cerca de 300 membros e têm o objetivo de defender o SUS (foto: Divulgação)

Nascido da necessidade de se pensar criticamente o "fazer médico", o Coletivo Rebento, formado por médicos e médicas cearenses que estão na linha de frente no combate à Covid-19, sabe muito bem para o que veio: "A defesa do SUS, da ética médica e de todas as vidas".

A missão está exposta até no nome "Rebento", que vem de ARREBENTAR mesmo - em caixa alta como a obstetra e integrante Liduina Rocha fez questão de exclamar. Palavra foi pensada a partir de uma música do artista Aldir Blac, uma das mais de trinta mil vítimas do novo coronavírus.

"Acreditar na existência dourada do sol, mesmo que em plena boca nos bata o açoite contínuo da noite, ARREBENTAR a corrente que envolve o amanhã, despertar as espadas, varrer as esfinges das encruzilhadas", diz um trecho da canção O Cavaleiro e os Moinhos.

Para o Coletivo, Aldir Blanc é uma das grandes inspirações. "Ele nos ensina que é necessário termos o desejo de mudar a realidade, transformá-la, mesmo que isso a arrebente. Aldir Blac, como nós era médico, acreditava no SUS, na arte, e na humanidade", explica a médica. A escolha do nome é uma homenagem e um alinhamento.

O Coletivo não surgiu para fins clínicos ou assistenciais, mas sim para debater os processos e caminhos da Medicina nesse contexto de pandemia. "Pensar criticamente o fazer-se médico não só na sua dimensão técnica, mas na suas relações com a ciência, a política, a promoção de saúde", avisa Liduina.

Por isso o grupo vê como necessário o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil e sua defesa. Para a médica, a pandemia é um "trágico e amargo exemplo do quanto é necessário o SUS". "Sem ele, apesar das suas deficiências, o quadro atual seria muito pior", considera Rocha. Ela reconhece o sucateamento do sistema e o que classifica como "perene tentativa da sua desvalorização". Mas não deixa de reforçar que o SUS é um dos "melhores, maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo".

Grupo também surge forte nesse momento em que a ciência sofre ataques. Os profissionais de saúde, pesquisadores e outros técnicos têm falado sobre isso. É o caso de profissionais da FioCruz, que em abril sofreram ataques nas redes sociais após divulgação de resultados preliminares sobre uso da cloroquina em pacientes graves com a Covid-19. 

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"Essa é nossa linha de frente: um grupo que busca contestar e expor ações que fujam às evidências ou as descontextualizem", reitera Liduina Rocha. De acordo com a obstetra, as evidências científicas precisam ser situadas no contexto sócio-histórico e político para gerar políticas públicas efetivas. Crescimento de desigualdade social também preocupa o Coletivo Rebento.

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O perfil no Instagram do coletivo já conta com diversas publicações sobre saúde e outros temas. A ideia é se posicionar enquanto profissionais que enfrentam o dia a dia de combate ao coronavírus.

Foram os médicos do Coletivo Rebento, por exemplo, que encaminharam um abaixo-assinado para a Assembleia Legislativa (AL-CE) pedindo a cassação do mandato do deputado estadual André Fernandes (PSL), após Fernandes ter afirmado que o secretário da Saúde do Estado, Dr. Cabeto, altera atestados de óbitos.

O documento contou com a assinatura de cerca de 100 profissionais e acusa o parlamentar de divulgar falsas informações.

"Por esse ataque inaceitável ao Dr. Cabeto, com amplas e perigosas consequências sobre a segurança e a saúde da população, em pleno enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, é imperioso e urgente que o Sindicato dos Médicos do Ceará tome providências, inclusive recorrendo ao Judiciário, contra o deputado André Fernandes. É comprovado, através de pesquisas de opinião pública, de amplo conhecimento, o devastador e nocivo efeito da disseminação de "fake news" e de falsas versões sobre a atual pandemia, como as de que se trataria de uma "gripezinha", a de que seria uma doença perigosa apenas para idosos, a de que não se deve abrir mão do trabalho presencial. Tudo isso repercutiu nos diminuindo os índices de isolamento social e levando a um rápido aumento das curvas de contágio e de óbitos por Covid-19. Um crime contra o povo e contra o País!", diz trecho da nota do coletivo, divulgada à época (maio).

Além disso, o grupo também se articula para construção de conteúdos, por exemplo. Objetivo é ficar atento às demandas que exigem posicionamento da categoria e seu exercício. Hoje, 250 médicas e médicos cearenses estão alinhados com o Rebento, garante coletivo.

Ao O POVO, a obstetra Liduina Rocha também ressaltou que o projeto de desmonte do SUS não é recente, mas vem se fortalecendo nos últimos anos, em sua opinião. Para o grupo, é necessário que profissionais de saúde assumam uma posição nesses tempos de pandemia: "Ou se está em defesa do SUS ou dos grupos que lucram com as desigualdades. Não existe meio termo. Para nós do Coletivo Rebento defender o SUS é uma tarefa antes de tudo humanitária", concluiu.

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