Conselho Tutelar registrou 105 ocorrências contra crianças e adolescentes durante quarentena; violência sexual contra meninas pode aumentar

Números são do dia 19 de março até 14 de abril. Proteção desse público durante período de isolamento preocupa órgãos. Coordenadora do Núcleo de Atendimento do Cedeca alerta para crescimento de violência sexual contra meninas

12:50 | Abr. 17, 2020

Por: Gabriela Feitosa
PESQUISA do IBGE aponta que 21,6% das meninas cearenses de 13 a 17 anos foram vítimas de algum tipo de violência sexual (foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil)

Pelo menos 105 ocorrências contra crianças e adolescentes foram registradas entre 19 de março e 14 de abril em Fortaleza. Os dados são da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci). Além desses números, programas da prefeitura como Ponto de Encontro e Rede Aquarela também receberam denúncias. Se somados, foram quase 160 casos envolvendo esse público. Parte deles são de trabalho infantil e crianças e adolescentes em situação de rua.

A coordenadora do Núcleo de Atendimento do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Ce), Marina Araújo, alerta que os casos podem aumentar durante quarentena, principalmente casos de violência sexual contra meninas. “Já foi constatado pela ONU Mulheres que o risco é maior para mulheres e meninas. A gente avalia um dado importante de 2018, em que 68% de casos de abuso aconteceram dentro de casa”, afirma.

Conforme Marina, a violência sexual tem um recorte de gênero, apesar de também vitimar meninos. “É uma relação de poder. Geralmente ela acontece por um adulto. O ideal é que o fluxo de atendimento dessas vítimas seja assegurado”, alerta. Conforme disse ao O POVO, a violência exploratória e de trabalho infantil também são recorrentes com meninas.

Marina defende uma rede de proteção que funcione dinamicamente, o pode ajudar a combater casos. “A população precisa procurar o Conselho Tutelar. Tem que buscar também as delegacias especializadas. Municípios que não tenham, as pessoas podem se dirigir à delegacia comum mais próxima à criança”, explica.

Respondendo pela Funci, a presidente Glória Marinho, reforça os programas da prefeitura que atuam na proteção dos direitos das crianças e adolescentes, como o Ponto de Encontro e Rede Aquarela citados anteriormente. Glória incentiva a denúncia: “Não precisa ter certeza. Se você desconfia, denuncie. Esse trabalho de proteção não é só do poder público. Sociedade deve ajudar”, pede.

Segundo a presidente, o papel do Conselho Tutelar é acolher a vítima e acompanhar criança/adolescente e família. O órgão está funcionando sob regime especial, de plantão. Mesmo, assim, equipes continuam fazendo visitas tanto em casas quanto nas ruas. Glória garante que os profissionais estão protegidos com equipamentos e seguindo recomendação dos profissionais de saúde.

(Ao final da matéria você encontrará os números para denúncia)

Ocorrências

- Conflito familiar/comunitário: 39
- Situação de rua: 39
- Negligência: 35
- Violência física: 07
- Outros: 10*

*As 10 ocorrências de “Outros” dizem respeito à demandas recebidas pelo Conselho que não cabem ao órgão, como emissão de autorização para viagens, por exemplo.

Confira as ocorrências detalhadas

> O Programa Ponto de Encontro, que auxilia as políticas públicas para a socialização de crianças e adolescentes em situação de mendicância, exploração econômica e trabalho infantil, recebeu 27 denúncias de pessoas praticando exploração econômica com crianças e adolescentes por meio da mendicância. Os casos são encaminhados ao Conselho Tutelar para as providências cabíveis junto à rede de proteção do município vizinho ou à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA).

> Programa Rede Aquarela, que desenvolve ações de enfrentamento e atendimento para crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual, registrou durante período de quarentena uma denúncia de violência sexual. Caso foi recebido pela Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca) e está sendo investigada pelo órgão.

> O Conselho Tutelar, que está funcionando em regime especial, registrou 105 ocorrências. Além disso, 130 crianças e adolescentes foram atendidos pelo órgão (uma médica de 4 atendimentos por dia) e 23 medidas protetivas de Acolhimento Institucional foram aplicadas.

 
“A casa deveria ser ambiente de proteção, mas nem sempre é”

A presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (Conanda), Iolete Ribeiro também acredita que o fato de crianças estarem mais em casa potencializa os casos de violência, já que dados apontam que boa parte dos agressores estão próximos às vítimas (são amigos da família ou mesmo familiares). “A casa deveria ser ambiente de proteção, mas nem sempre é. E quando não, o que o Estado deve fazer?”, indaga.

Conforme Iolete disse ao O POVO, mesmo antes da pandemia da Covid-19, cuja principal prevenção é o isolamento social, o país já passava por um cenário preocupante. Para ela, o que dificulta ainda mais o combate à essas violências, é o fato de que o sistema de denúncia não é integrado e os dados ficam dispersos. “Os dados deveriam ser integrados. A gente não faz uma política pública forte se não tiver dado. Agora, durante a pandemia, isso se intensifica mais”, comenta a presidente.

Um dos exemplos é o Disque 100, que recebe denúncia de violações contra direitos humanos mas não só. Parte dos casos de violência contra crianças e adolescentes vão para este número. “A gente comemora muito o fato de a gente ter o Disque Denúncia. Mas não basta ter, ele tem que ter alguma resolutividade”, aponta Iolete. O Conanda é o conselho responsável por dar diretrizes aos estados e municípios no que diz respeito à temática dos direitos de crianças e adolescentes.

Para período de pandemia, órgão aprovou recomendações para a proteção desse público, além de uma carta de como deve funcionar o atendimento de órgãos que cuidam dessa área durante afastamento social, cujo serviços a presidente considera essencial.

O POVO listou algumas das recomendações. Você pode conferir documento completo clicando aqui.

Recomendações

1. A implementação de medidas emergenciais no âmbito econômico e social que, além de mitigar a transmissão comunitária do COVID-19, também garantam o direito à vida e à saúde da criança e do adolescente;

2. Que as ações em relação às crianças e adolescentes reconheça que a garantia de seus direitos depende também da proteção dos direitos de seus cuidadores primários, uma vez que o ambiente doméstico deve ser seguro, tanto na perspectiva da saúde física quanto emocional. Famílias em condição de vulnerabilidade social devem receber apoio governamental, com medidas de subsídio nanceiro e serviços públicos, que incluem:

a. A instauração de um plano de renda básica universal, garantindo que todos as famílias brasileiras estejam amparadas pelas políticas de assistência social de garantia do mínimo necessário para sobrevivência e convívio social, assim como condições de saúde e educação;

b. A isenção ou o desconto em contas de água, gás e eletricidade para as famílias em situação de risco e vulnerabilidade social em todo o território nacional, com recomendação adicional de que em nenhuma hipótese, incluindo o inadimplemento, esses serviços deixem de ser oferecidos;

c. Evitar demissões e manter os salários dos trabalhadores domésticos e informais que se ocupam do cuidado de crianças e adolescentes; para que possam garantir condições dignas de alimentação, moradia e preservação da saúde das crianças e adolescentes sob seu cuidado;

d. A distribuição de alimentos e produtos de higiene, como sabonetes e álcool em gel, principalmente para população mais vulneráveis.

A presidente do Conanda, Iolete Ribeiro, considera importante que a sociedade se posicione de forma firme e cobre dos governantes os direitos citados. É preciso também garantir que a rede de proteção funcione, já que as crianças estão dispensadas da escola, lugar por onde parte das denúncias são feitas. “Grupos vulneráveis mais atingidos, como crianças e adolescentes em situação de rua têm mais chance de morrer, de sofrer em função de uma política que deveria funcionar”, reforça.

Para o Conanda, nenhum estado brasileiro tem uma avaliação totalmente positiva na temática dos direitos da criança e adolescente - o que preocupa, principalmente no contexto de pandemia. “Nós temos histórico de governos que não colocaram orçamento público nessa área. Sociedade deve pressionar”, encerra Iolete.

Funcionamento da Rede de proteção a crianças e adolescentes em tempos de Covid-19

> Conselho Tutelar

Os Conselhos Tutelares funcionarão em regime de plantão, das 8h às 20h e das 20h às 8h, com 2 (dois) conselheiros e 1 (um) profissional de apoio em cada período. A equipe será composta ainda por dois motoristas. Funcionamento 24 horas recebendo denúncias nos números
(85) 98970-5479
(85) 3238-1828

> Delegacias Especializadas

> Delegacia de combate à exploração de criança e adolescente (DECECA)
Está de sobreaviso com demandas de emergência. Telefones para atendimentos: 3433-9568 e 3101-2044. Permanecerá com equipe de atendimento psicossocial de urgência. Expediente no horário comercial (8h às 18h), com a equipe reduzida, na sede da Delegacia, endereço: Rua Soares Bulcão, s/n, Bairro São Gerardo (Referência: Por detrás do Colégio Master da Av. Bezerra de Menezes).

> Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA)
Funcionamento 24 horas. Telefones para atendimentos: (85) 3101-2514. Endereço: Rua Tabelião Fabião, nº 114, Bairro São Gerardo.

> Delegacia de Defesa da Mulher (DDM)
Funcionamento 24 horas, com plantão para os B.Os de lesão corporal e crimes sexuais (que necessitam expedição de guias). Os demais crimes devem ser registrados por meio do B.O. eletrônico. Telefone: (85) 3108-2959 / Endereço: Rua Teles Souto, s/n, Bairro Couto Fernandes. Obs: A partir das 18h, a DDM continua funcionando como plantão da DECECA.

> Defensoria Pública do Estado do Ceará
> Núcleo de Atendimento aos Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (NUAJA)
Celular: (85) 99149-9193 / E-mail: nuaja@defensoria.ce.def.br.
> Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública à Infância e Juventude (NADIJ)
Celular: (85) 98895-5716 / E-mail:nadij@defensoria.ce.def.br.

> Programa Ponto de Encontro 
Atendimento para população de rua manterá diariamente – domingo a domingo – das 8h às 17h, uma equipe plantonista composta por 4 (quatro) educadores sociais, um técnico de referência e 2 motoristas com 2 carros, para atendimento de denúncias e garantia da continuidade dos serviços, realizando os devidos encaminhamentos para a rede de proteção, junto ao serviço de garantias de direitos e Conselho Tutelar. Contato: (85) 3433-1414.

> Programa Rede Aquarela
Atendimento psicossocial para crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual.
Contato: (85) 3238 1682 / (85) 3433 1421.

> Unidades do Sistema Socioeducativo
As visitas às Unidades Socioeducativas estão suspensas. Para obter informações sobre adolescentes privados de liberdade, é preciso ligar para uma das unidades: 8h às 17h
Superintendência do Sistema Socioeducativo do Estado do Ceará (SEAS)
3101 2062/2016