Bolsonaro omite fala de diretor da OMS para validar discurso anti-isolamento
A OMS continua recomendando o isolamento social. Diretor-presidente da organização ressaltou que governos precisam garantir "o bem-estar das pessoas que perderam sua renda"
16:35 | Mar. 31, 2020
O presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) distorceu entrevista do diretor-presidente da Organização Mundial da Saúde (OMS), o etíope Tedros Ghebreyesus, e insinuou que a entidade criticara as medidas de isolamento social. Na manhã desta terça-feira, 31, antes mesmo de falar com jornalistas, Bolsonaro afirmou a apoiadores que o esperavam no Alvorada que o discurso da OMS estaria alinhado ao dele.
"A OMS se associa a Jair Bolsonaro”, disse, tentando validar discurso contra o isolamento social da população para conter o avanço do novo coronavírus. Mas a reclusão tem sido recomendada pelas autoridades de saúde em todo o planeta e apontada como ação essencial de enfrentamento da doença, a qual já matou 159 pessoas no Brasil.
O que Ghebreyesus afirmou nesta segunda-feira, 30, foi que, além da preocupação com a saúde, "os governos precisam garantir o bem-estar das pessoas que perderam sua renda. Qualquer país pode ter trabalhadores que precisam trabalhar para ter o pão de cada dia. Isso precisa ser levado em conta."
No entanto, na mesma entrevista, o diretor-presidente da OMS voltou a enfatizar a importância do isolamento social e deixou claro que essa medida de precaução "é a única opção que temos para derrotar esse vírus". "É vital respeitar a dignidade do próximo. É vital que os governos se mantenham informados e apoiem o isolamento.
Horas depois, o próprio Ghebreyesus foi às redes sociais esclarecer a fala dele e desmentir Bolsonaro. “Pessoas sem fonte de renda regular ou sem qualquer reserva financeira merecem políticas sociais que garantam a dignidade e permitam que elas cumpram as medidas de saúde pública para a Covid-19 recomendadas pelas autoridades nacionais de saúde e pela OMS. Eu cresci pobre e entendo essa realidade. Convoco os países a desenvolverem políticas que forneçam proteção econômica às pessoas que não possam receber ou trabalhar devido à pandemia da covid-19. Solidariedade”, escreveu, horas depois, sem citar Bolsonaro.
People without regular incomes or any financial cushion deserve social policies that ensure dignity and enable them to comply with #COVID19 public health measures advised by national health authorities and @WHO. #coronavirus
— Tedros Adhanom Ghebreyesus (@DrTedros) March 31, 2020
Alvorada
Bolsonaro retirou de contexto a fala de Ghebreyesus e disse que, por ele ser africano, "sabe o que é passar dificuldade". O objetivo do presidente brasileiro é legitimar a tese de que a reclusão social deve ser flexibilizada, uma vez que, segundo ele, prejudica a economia.
"O que o diretor-presidente da OMS falou? Esse povo humilde fica o dia todo na rua para levar um prato de comida à noite em casa. A fome mata mais do que vírus. Quando eu falei isso, entraram até com processo no Tribunal Penal Internacional me chamando de genocida. Eu sou um genocida por estar defendendo o direito de você levar um prato de comida para casa. Achei excepcional a palavra dele (Ghebreyesus). Meus parabéns: OMS se associa a Jair Bolsonaro", ironizou.
O presidente também evitou comentar a postura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), que tem pedido reiteradamente para que a população fique em casa. Bolsonaro quer que a medida seja limitada apenas aos grupos de risco — idosos e pessoas com problemas de saúde preexistentes. "Não sei o que ele falou. Parto do princípio que eu tenho que ver, e não acreditar no que está escrito. Não se esqueça que eu sou o presidente."
Bolsonaro estimula hostilidade
Durante a entrevista na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro incentivou a hostilidade de apoiadores contra os jornalistas e mandou os repórteres ficarem quietos. Um homem mais exaltado se referiu à imprensa com termos ofensivos, chamando os profissionais de "abutres".
Além disso, os apoiadores interrompiam a todo momento os questionamentos dirigidos ao presidente, atacando profissionais e veículos de comunicação. Depois de uma pergunta sobre a postura de Mandetta, um homem que se identificou como professor de escola pública e youtuber começou a gritar que a imprensa colocava ministros contra Bolsonaro.
Os jornalistas pediram respeito, mas a reação do presidente foi insuflar os apoiadores. "É ele que vai falar, não é (sic) vocês não." Os profissionais da imprensa então deixaram o local.
Com Agência Estado