"Se eu tiver que errar, que seja pelo excesso e não pela omissão", diz Camilo sobre renovação de quarentena
Camilo teve encontros virtuais com representantes do setor produtivo, que pressionam o governador a autorizar a retomada dos trabalhos
15:01 | Mar. 28, 2020
Em entrevista exclusiva ao O POVO neste sábado, 28, após reunião com autoridades de saúde do Ceará, o governador Camilo Santana (PT) falou que as decisões que serão tomadas no Estado “levarão em conta aspectos econômicos”, “mas, em primeiro lugar, será considerada a saúde das pessoas”.
Questionado se deve renovar o decreto de quarentena que suspendeu as atividades do comércio e o transporte intermunicipal, o chefe do Executivo respondeu: “Não podemos aumentar o risco da nossa população. Ela precisa ser protegida. E disso não abrirei mão. Se tiver que errar, que seja pelo excesso e não pela omissão”.
De ontem para hoje, Camilo teve encontros virtuais com representantes do setor produtivo, que pressionam o governador a autorizar a retomada dos trabalhos a partir desta segunda-feira, 30. Nessa sexta-feira, o presidente da República Jair Bolsonaro afirmou que eventual responsabilidade por danos financeiros seria dos gestores estaduais.
O governador deve decidir amanhã se prorroga ou não a validade do documento que determinou isolamento e suspensão temporária por dez dias, publicado no dia 20/3. O prazo expira na segunda.
Sobre a postura de Bolsonaro diante das ações de combate ao novo coronavírus no País, o petista declarou: “Eu diria que tem havido graves equívocos na condução dessa crise. Defendo uma coordenação nacional das ações por parte do Governo Federal. Na ausência disso, cada estado age de forma diferente e toma medidas diferentes tentando proteger a população do seu estado”.
Apenas no Ceará, já são 282 casos confirmados da infecção. Três pessoas morreram. O estado tem o maior número de contágios do Nordeste e o terceiro do Brasil.
Leia abaixo a íntegra da entrevista com o governador Camilo Santana
O POVO - Como avalia o conjunto de medidas tomadas até agora no estado do Ceará contra o coronavírus?
Camilo Santana – Um mês antes de qualquer caso confirmado do Ceará, já havia um plano de contingência feito pelo nosso secretário dr. Cabeto e sua equipe. Também autorizei imediatamente recursos para a compra de equipamentos, testes de diagnóstico e insumos médicos (R$ 245 milhões até aqui), a abertura imediata de um novo hospital com 230 leitos exclusivamente para pacientes com coronavírus, além de mais 150 leitos extras anexados a três hospitais, e a preparação de alas exclusivas para receber esses pacientes em outras unidades do estado, inclusive nos hospitais regionais. Além de todas essas medidas, o Ceará foi um dos primeiros estados a sair com decreto que visava a menor circulação de pessoas nas ruas, para evitar uma proliferação rápida e em massa do vírus, o que poderia colapsar o sistema de saúde já nos primeiros dias. Solicitamos também o cancelamento de voos internacionais no Ceará e a permissão para nossas equipes atuarem na chegada de passageiros, já que essa decisão depende do Governo Federal. Foram muitas medidas, e outras continuam sendo adotadas dia a dia para tentarmos conter, ao máximo, o avanço mais rápido do coronavírus e proteger nossa população.
OP – Por que há grande número de casos da infecção no estado, que adotou precauções contra a pandemia desde o começo?
Camilo – Os próprios especialistas apontam dois fatores. O primeiro, que o Ceará tomou a decisão de fazer o máximo de testes possíveis. E quanto mais se testa, mais você detecta. Isso é fundamental para podermos agir de forma rápida e estratégica. Não sei como outros estados estão fazendo. Determinei logo a compra de 20 mil kits de diagnóstico, e outros 350 mil testes rápidos também estão sendo adquiridos. E o segundo fator que atribuo é o fato do Ceará ter se tornado o maior ponto de conexões aéreas do Nordeste. São dezenas de voos, muito importantes para a economia de qualquer estado mas que, neste momento, foram um complicador. Como foi em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal, que lideram os casos. Por isso, a importância do maior controle nos aeroportos logo no começo, papel que caberia à Anac e Anvisa, do Governo Federal.
OP – O Governo Federal derrubou na justiça a barreira sanitária no aeroporto. A gestão Bolsonaro tem atrapalhado no combate ao vírus?
Camilo – Eu diria que tem havido graves equívocos na condução dessa crise. Defendo uma coordenação nacional das ações por parte do Governo Federal, como há em muitos países que enfrentam a pandemia. Na ausência disso, cada estado age de forma diferente e toma medidas diferentes tentando proteger a população do seu estado. Falta uma diretriz clara, considerando o que aponta a Organização Mundial de Saúde como eficaz para conter a pandemia. Do ponto de vista da economia, houve alguns anúncios importantes recentemente e isso deverá ajudar muito. Mas não se pode dissociar as coisas. É preciso, em primeiro lugar, atenuar esse crescimento geométrico dos casos para não colapsar rapidamente o sistema de saúde. Isso é urgente.
OP – Há uma pressão para voltar à normalidade. O senhor pretende renovar o decreto que determinou o fechamento do comércio?
Camilo – Converso diariamente com nossos especialistas em saúde. Temos um respeitado secretário e uma equipe muito competente que nos dão o real cenário da crise e as projeções. Faço questão de acompanhar tudo para estar bem embasado na tomada de decisões. Também tenho conversado com os representantes do setor produtivo e ouvido suas demandas. É muito importante a manutenção dos empregos e a geração de renda para as famílias. Tenho essa preocupação, especialmente com os mais pobres, com os autônomos. Tanto que isentei por 90 dias a conta da água de 338 mil famílias de baixa renda do estado e suspendi a taxa de contingência da água de 221 mil domicílios de Fortaleza e RMF. Também antecipei o pagamento do benefício de quase 50 mil famílias carentes, que recebem uma ajuda do governo do estado. E anunciarei novas medidas de ajuda a essa população em breve. As decisões tomadas levarão em conta esses aspectos econômicos. Mas, em primeiro lugar, será considerada a saúde das pessoas. Não podemos aumentar o risco da nossa população. Ela precisa ser protegida. E disso não abrirei mão. Se tiver que errar, que seja pelo excesso e não pela omissão.
OP – Essa é a segunda crise de grandes proporções que o Ceará enfrenta desde o início do ano. A primeira foi a da segurança, para a qual o senhor deu uma resposta eficaz e rápida. Como avalia esses dois momentos (motim da PM e quarentena sanitária)? Houve algum aprendizado antes que esteja sendo útil agora?
Camilo – São situações muito diferentes. Vivemos hoje uma crise mundial, que já contaminou e matou milhares de pessoas e abalou a economia do planeta. Nações ricas estão em colapso. Em comum nessas duas crises aqui no estado, diria que apenas a determinação que tenho de enfrentar com todas as minhas forças para proteger a população para que ela sofra menos. É o que mais penso neste momento. Que pessoas consigam o atendimento quando precisarem. Por isso precisamos achatar a curva de contaminação. Para evitar que muitos fiquem doentes ao mesmo tempo e o sistema de saúde não consiga atender a todos, como acontece em países ricos como a Itália e a Espanha. O caminho ainda é longo para sairmos dessa crise, mas sei que vamos vencer. Lutarei dia e noite por isso.