Entenda a relação entre os xingamentos e a Síndrome de Tourette

Nesta condição, palavras ofensivas ou socialmente inaceitáveis são faladas de maneira involuntária

15:09 | Nov. 28, 2024

Por: Redação EdiCase
Hiperatividade em pacientes com Síndrome de Tourette facilitam os vocais involuntários (Imagem: Dean Drobot | Shutterstock) (foto: EdiCase)

A Síndrome de Tourette, também conhecida como “doença de Gilles de la Tourette”, é um distúrbio do sistema nervoso que envolve tiques motores involuntários, que incluem piscar, franzir a testa, balançar a cabeça, contrair os músculos, entre outros. No entanto, o que torna a síndrome conhecida são os vocais involuntários, também chamados de “coprolalia”, que podem resultar na formação de palavras ofensivas ou socialmente inaceitáveis.

Segundo o neurocientista Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, os xingamentos involuntários na Tourette podem ser compreendidos como um reflexo neural de pensamentos ou impulsos que todos nós temos, mas que, normalmente, conseguimos suprimir. No entanto, para os pacientes, essa capacidade de controle é comprometida, expondo a face bruta da condição humana.

Causas dos xingamentos

A teoria do Dr. Fabiano de Abreu sugere que a coprolalia não é aleatória. Ela emerge de um cérebro em que os mecanismos de inibição estão disfuncionais. “Todos nós, em algum momento, experimentamos pensamentos de raiva ou frustração, muitas vezes acompanhados de palavras que jamais ousaríamos pronunciar em público. Na Síndrome de Tourette, essas palavras escapam porque o ‘freio’ cerebral, localizado no córtex pré-frontal, não funciona adequadamente”, explica.

Essa ideia é sustentada por estudos que associam a coprolalia à desregulação do circuito córtico-estriato-talâmico-cortical, uma rede neural que controla impulsos e regula o comportamento social. Alterações nos gânglios da base e no córtex orbitofrontal, duas regiões críticas para o controle comportamental, também estão diretamente ligadas à condição.

Papel do cérebro e dos neurotransmissores

Na Síndrome de Tourette, o desequilíbrio químico do cérebro desempenha um papel central. A dopamina, neurotransmissor responsável por regular movimentos e impulsos, apresenta hiperatividade em pacientes com a condição, facilitando a expressão dos tiques. Outras substâncias, como o GABA, que inibe respostas neuronais, e a serotonina, que modula o humor, também apresentam alterações.

Além disso, o córtex pré-frontal, dividido em sub-regiões como o córtex dorsolateral, ventromedial e orbitofrontal, tem um papel crucial. Ele atua como um “filtro”, impedindo que impulsos inapropriados sejam verbalizados. Em pacientes com Tourette, esse filtro está enfraquecido, permitindo que os impulsos cheguem à superfície.

Os impulsos fazem parte da dinâmica social humana e estão enraizados em regiões do cérebro (Imagem: r.classen | Shutterstock)

Relação da coprolalia com o comportamento humano

A teoria de que a coprolalia pode ser um reflexo do que reprimimos nos obriga a refletir sobre a natureza dos pensamentos humanos. Por que pensamos em palavras ou ações hostis, mesmo sem motivos claros? Segundo o Dr. Fabiano de Abreu, esses impulsos são parte da dinâmica emocional humana, enraizados em regiões do cérebro como o sistema límbico, que processa emoções intensas como raiva e frustração.

“O que diferencia as pessoas com Síndrome de Tourette das demais não é a presença desses pensamentos, mas a incapacidade de controlá-los. Todos temos impulsos, porém contamos com um sistema inibitório eficiente, liderado pelo córtex pré-frontal, que impede que tais pensamentos se transformem em palavras ou ações. No caso da Tourette, o filtro falha, permitindo que os xingamentos escapem”, explica o neurocientista.

Essa ideia não apenas desmistifica a coprolalia, mas também a coloca em um contexto mais humano, mostrando que a linha entre o controle e a desinibição pode ser tênue. “O que a Tourette nos mostra é que somos todos impulsivos em algum nível. A diferença está no controle. Enquanto a maioria de nós pode conter os impulsos, aqueles com Tourette são expostos à sua vulnerabilidade de forma visceral. Isso nos desafia a olhar para eles com mais empatia e menos julgamento”, conta o especialista.

Complexidade da coprolalia

Apesar de ser amplamente associada à Tourette, a coprolalia é uma manifestação rara, com prevalência em menos de 20% dos casos. Estudos apontam que ela ocorre com maior frequência em pacientes com sintomas mais graves e comorbidades como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A coprolalia também costuma se manifestar durante a adolescência, um período em que os circuitos cerebrais de controle estão em desenvolvimento.

A coprolalia não é limitada a palavras ofensivas. Ela pode incluir frases ou sons repetitivos com forte carga emocional, destacando o papel do sistema límbico e do córtex orbitofrontal na escolha dessas vocalizações.

Importância da conscientização e do tratamento

Para o Dr. Fabiano de Abreu, entender a coprolalia como um sintoma neurológico involuntário é essencial para combater o estigma e promover a inclusão de pessoas com Tourette. “Os xingamentos não refletem a personalidade ou os valores da pessoa, mas, sim, uma condição neurológica que está fora de seu controle. O julgamento social muitas vezes agrava o sofrimento desses pacientes, que já enfrentam desafios significativos no dia a dia”, destaca.

O tratamento da Síndrome de Tourette pode incluir abordagens farmacológicas, como o uso de medicamentos para regular a dopamina, e terapias comportamentais que ajudam os pacientes a lidarem com os tiques. No entanto, a conscientização e a empatia são igualmente fundamentais para criar um ambiente de acolhimento.

Perspectivas futuras

A compreensão dos mecanismos cerebrais por trás da coprolalia continua em desenvolvimento, mas avanços significativos têm sido alcançados com o uso de tecnologias como neuroimagem funcional e genética molecular. Esses estudos ajudam a identificar os circuitos neurais específicos e os genes envolvidos, possibilitando o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes.

“O futuro da pesquisa em Tourette passa pela personalização do tratamento, combinando abordagens farmacológicas com terapias comportamentais baseadas em evidências. Intervenções como estimulação cerebral profunda estão sendo exploradas para casos graves, oferecendo esperança para pacientes que não respondem a métodos convencionais”, explica o Dr. Fabiano de Abreu.

A educação da sociedade sobre o que é a Síndrome de Tourette e, especialmente, sobre a natureza involuntária dos sintomas, como a coprolalia, é um passo essencial para reduzir o estigma e criar ambientes mais compreensivos e acolhedores. “Ao compreender melhor o que está por trás da Tourette, nos tornamos mais capazes de oferecer apoio e dignidade aos que convivem com essa condição. É um chamado à empatia, à ciência e à humanidade”, conclui o neurocientista.

Por Tayanne Silva