Veja como a necessidade de respostas nos impulsiona a viver melhor

A professora de filosofia Lúcia Helena Galvão quer que a gente reflita sobre o essencial da vida, além do porquê de estarmos aqui e sermos quem somos

Já deve ter acontecido com você. Sozinho, sentindo-se minúsculo perante a vastidão do céu estrelado, uma parte sua urge saber: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Qual é o sentido da vida? Certamente, milhares de seres humanos fizeram as mesmas perguntas muito antes de você.

É que as grandes questões filosóficas da existência são guias atemporais em nossa jornada de autoconhecimento e fontes certas de sabedoria. Em meio ao “bafafá” das redes sociais e da internet, uma voz vem nos lembrar da importância do pensamento reflexivo, dos argumentos bem escorados em ideias consagradas pelos milênios. 

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A professora Lúcia Helena Galvão é filósofa, escritora e palestrante. Atua como voluntária há 33 anos na organização Nova Acrópole do Brasil, onde ministra aulas e palestras sobre temas ligados à filosofia à maneira clássica. Sim, ela explica o pensar dos gregos, romanos, egípcios, persas, hindus, mas também mostra como podemos aplicá-lo no cotidiano. 

Cria, portanto, pontes entre antigos conhecimentos e a atualidade. Também assina o roteiro de três peças de teatro: Helena Blavatsky – A Voz do Silêncio, O Profeta e Ânima. Esta última entrelaça histórias de mulheres que dedicaram suas vidas a ideais humanistas. De várias formas, Lúcia Helena quer ajudar as pessoas a crescerem e perceberem que um sentido de vida é uma estrela muito maior do que meramente sobreviver. 

Por que as grandes questões da existência são atemporais?

Existe, dentro do ser humano, uma certa intuição de eternidade, eu poderia dizer assim, que é o inconformismo diante da notícia de que ele será totalmente extinto. A nossa consciência tem muitos aprendizados, muita experiência, de modo que, para a gente, parece impossível que, de uma hora para outra, isso vire absolutamente nada. É o paradoxo da extinção do corpo que ele vê e aquilo que ele percebe como tendo um caráter de perenidade, que é todo o conteúdo da sua consciência. Esse drama sempre nos causou bastante conflito.

Indagar abre perspectivas para se viver melhor?

Com certeza, a necessidade de respostas aponta na direção de uma vida bem resolvida, porque exige que a gente tenha um propósito, um ideal, pois, sem isso, não há como fazer escolhas na vida. Certo, errado, verdadeiro, falso, bom, mal só nascem a partir do momento em que você sabe para onde está indo. Sem um referencial, o ser humano vai simplesmente aderindo àquilo que todo mundo faz.

Isso abala a percepção da nossa identidade? 

Existe uma frase oriental que diz que o nosso nome interno está no horizonte, ou seja, quem é a Lúcia? É aquele ser humano que eu quero ser quando tudo isso estiver concluído. Ou seja, um ser humano com valores, com virtudes, e sabedoria. Sempre que eu sou coerente com isso, estou sendo verdadeiramente a Lúcia. Sempre que eu tomo uma tangente e saio disso, estou fora de mim. Portanto, alguém que não tem esse balizamento da vida está totalmente solto. Daí vem a angústia, o caos, a desorientação. Necessitamos saber onde estamos, para onde vamos, para encontrarmos a melhor maneira de caminhar.

Em meio a tanta informação, devemos tomar o centro e partir de nós mesmos (Imagem: SurfsUp | Shutterstock)

Como saber o que é essencial em meio a tanta informação?

De acordo com a psicologia analítica de Carl Jung, nós temos um campo de consciência e, dentro dele, existe um centro, que é o “Eu”. Em volta dele, orbitam vários núcleos periféricos, que são a nossa vaidade, o nosso orgulho, os rancores que acumulamos ao longo do tempo, a preguiça, os preconceitos, toda uma série de núcleos que, se nós permitirmos, tomarão a frente da nossa vida. E não decidiríamos a partir daquilo que somos, mas a partir dessas experiências, físicas ou emocionais, que ficaram gravadas e geraram esse tipo de núcleo. Nós deveríamos tomar o centro e agir a partir de nós mesmos.

Como reconhecê-lo? 

A referência que se tem para esse centro é aquilo que Platão chamava ideia do bem, a benevolência. Quando nós procuramos aquilo que compreendemos como o máximo bem, não apenas para nós, mas para a humanidade, um bem amplo, que inclua o todo, sempre que agimos a partir disso, estamos agindo a partir do nosso centro.

Entretanto, o egoísmo tem uma força impressionante

A ideia do bem é a marca registrada da identidade humana, ou seja, sempre que nos guiamos pelo máximo bem que chegamos a entender, estamos sendo fiéis a nós mesmos. Agora, como somos dominados pelo egoísmo, vamos para aquelas alternativas que mais trazem benefícios pessoais a curto prazo. E aí acabamos nos confundindo com os elementos periféricos. A tradição tibetana costumava dizer que o egoísmo é o maior mal do mundo. Eles chamam-no de heresia da separatividade. É impressionante até onde pode chegar.

O que de mais valioso as culturas da antiguidade cultivavam e se perdeu? 

Uma das coisas mais graves que se perdeu, que havia não só no Oriente, como também no Ocidente Clássico, é a noção de que a vida é cosmos, e não caos, que ela obedece a um propósito, a um sentido, que os acontecimentos não são casuais, que a natureza trama para nos levar a um nível de consciência cada vez mais alto e mais amplo em valores, virtudes e sabedoria.

Bem diferente de como vemos as coisas hoje

Nós, hoje, tomamos os acontecimentos como caóticos, então ficamos nos sentindo como uma bola de bilhar sendo empurrada de um lado para o outro, sem ter um chão fixo sobre os nossos pés, porque acreditamos que tudo é flutuante, que nada obedece a um propósito, nada tem sentido. E essa desconfiança em relação à vida, em relação à natureza, infelizmente, acaba contaminando a nós mesmos.

Qual é a saída?

O ser humano teria que ter coragem de desenvolver uma visão mais apurada dentro de si, buscando sua essência, e acreditando que a natureza sempre o conduz para um grau mais elevado de consciência, se ele aceita as experiências da vida dizendo a si próprio: “Eu sairei do outro lado maior do que entrei”. Tem de haver uma certa vontade de fazer a diferença, ser fator de soma para o mundo, para o outro e para si mesmo. Deixar o mundo um pouco melhor do que aquele que eu encontrei. Que nós possamos retomar esse espírito.

Por Raphaela de Campos Mello – revista Vida Simples 

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