Lula envia isenção de IR até R$ 5 mil ao Congresso: entenda o que pode mudar e impactos da proposta
Agência BBC

Lula envia isenção de IR até R$ 5 mil ao Congresso: entenda o que pode mudar e impactos da proposta

A expectativa do governo é de que o projeto seja aprovado no Congresso a tempo de a isenção valer já em 2026. Economistas alertam que medida pode ter impacto sobre inflação e juros.

Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad em evento no Planalto em setembro de 2024
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Expectativa do governo é que o projeto seja aprovado a tempo de a isenção valer já em 2026. Economistas alertam que medida pode ter impacto sobre inflação e juros

O governo federal encaminha nesta terça-feira (18/3) ao Congresso Nacional proposta para isentar do Imposto de Renda (IR) quem ganha até R$ 5 mil por mês.

A proposta é uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Ela havia sido anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no final do ano passado, junto ao pacote fiscal que incluiu medidas como a mudança na regra de reajuste do salário mínimo.

A expectativa do governo é de que o projeto seja aprovado ainda este ano, a tempo de a isenção valer já em 2026.

"A verdade é que quem paga IR nesse país é quem tem desconto na fonte, por que aí não tem como sonegar. É descontado na folha de pagamento dele. Mas quem ganha muito as vezes nem paga. Inventa sempre uma 'mutreta' qualquer para não pagar. Queremos salvar o povo trabalhador de pagar o IR enquanto muita gente rica sonega", disse Lula na sexta-feira (14/3), ao anunciar que a proposta seria encaminhada ao Congresso nesta semana.

Segundo a proposta, a mudança no IR não terá impacto fiscal, pois a ideia é que o aumento da taxação sobre os mais ricos compense a perda de arrecadação com a ampliação da isenção.

O governo está propondo um imposto mínimo para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, seja através de um CPF ou de CNPJ. Anteriormente, Haddad tinha afirmado que essa taxa poderia chegar a até 10% da renda.

Nesta segunda-feira (17), Haddad afirmou que a perda de arrecadação com a medida é estimada em cerca de R$ 27 bilhões para 2026.

Inicialmente, a perda de arrecadação havia sido estimada em R$ 32 bilhões, mas o valor foi recalculado.

"Foi um recálculo, porque este ano haverá uma pequena correção depois do Orçamento, por conta do aumento do salário mínimo", disse o ministro.

A medida é vista como parte do "pacote de bondades" de Lula em meio à queda de popularidade de sua gestão às vésperas das eleições presidenciais, previstas para outubro do ano que vem.

Além da isenção do IR para rendimentos até R$ 5 mil, o governo também deu início a uma reforma ministerial e anunciou nas últimas semanas medidas como o crédito consignado para trabalhadores formais e a liberação do saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para quem aderiu ao saque-aniversário.

Uma pesquisa realizada pela Quaest em dezembro mostrou que 75% dos entrevistados aprovavam a isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil. Ao fim do ano passado, a medida tinha alto índice de aprovação tanto por eleitores de Lula, quanto por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Defensores da proposta dizem que a tabela do Imposto de Renda está defasada em relação à inflação há anos, o que leva os contribuintes a pagarem mais impostos.

Já os críticos consideram a proposta "eleitoreira" e argumentam que a medida beneficia a classe média e aumenta a concentração de renda, além de não contribuir com o esforço de equilíbrio fiscal do governo.

Economistas também alertam que a injeção de recursos na economia gerada pelo pagamento menor de impostos pode ter impacto sobre a inflação e a taxa de juros.

Entenda o que pode mudar caso a proposta seja aprovada pelo Congresso e os possíveis impactos da medida.

Para quem ganha até R$ 5 mil: isenção

Na lei, limite atual de isenção é de R$ 2.259, mas com o mecanismo de "desconto simplificado" adotado pelo governo Lula desde 2023, na prática, a isenção beneficia quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824).

Havia 40,6 milhões de declarantes no ajuste anual do IR, segundo dados de 2022. Desses, cerca de 16 milhões estavam isentos pela regra atual (39% do total).

Com a proposta, mais 16 milhões de pessoas devem ficar isentas adicionalmente, segundo cálculo da MCM Consultores, o que resultaria em 32 milhões de isentos — ou 79% do total, um patamar sem precedentes.

Quem ganha até R$ 7,5 mil também pagará menos imposto de renda, segundo a proposta enviada nesta terça-feira para o Congresso.

O grupo dos super-ricos — aqueles que recebem mais de R$ 50 mil mensais — deve passar a pagar mais Imposto de Renda, com uma alíquota mínima de 10%, a ser cobrada sobre todas as fontes de renda.

A ideia do governo é que o debate no Congresso sobre a isenção para salários de até R$ 5 mil seja concluído este ano — e, se aprovada, a medida passe a valer em 1º de janeiro de 2026.

Celular com aplicativo
Marcello Casal Jr./Agência Brasi
Quem recebe mais de R$ 50 mil mensais deve passar a pagar mais IR, segundo a proposta ao Congresso

Possíveis impactos

O governo federal estimou a perda de arrecadação com a isenção do IR para rendimentos em R$ 27 bilhões em 2026.

Na prática, o que as pessoas vão deixar de pagar em imposto deve significar uma injeção adicional de recursos na economia, com efeito sobre o consumo das famílias, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a inflação e a taxa de juros, observaram os economistas da MCM Consultores, em um estudo divulgado na semana passada.

Segundo a equipe da MCM, como a economia brasileira já está atualmente superaquecida, o choque esperado no consumo das famílias pode resultar em que o Banco Central não tenha espaço para reduzir a taxa básica de juros em 2026 ou pode até ter que ajustar um pouco para cima a taxa, para combater os efeitos da injeção de recursos na economia sobre a inflação.

Isso porque, com mais dinheiro no bolso, as famílias vão às compras, pressionando a demanda e os preços dos produtos.

Estudos realizados pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP) antes da proposta do governo ser encaminhada ao Congresso mostraram que a isenção do IR até R$ 5 mil beneficia grupos já privilegiados da sociedade.

Segundo os pesquisadores, é preciso que a medida de fato seja combinada com uma maior tributação do topo para que não haja uma piora na desigualdade do país.

"Atualmente, temos mais ou menos 22% da população pagando Imposto de Renda, e com a mudança da regra vai ter só 8%", destacou Luiza Nassif Pires, diretora do Made-USP e professora do Instituto de Economia da Unicamp, em entrevista à BBC News Brasil em dezembro.

"Então, tem um problema que, apesar da sensação de que aumentar a isenção até R$ 5 mil é algo que distribuiria renda para a base, na verdade, isso é uma distribuição de renda para uma classe média já mais no topo da pirâmide", completou a pesquisadora.

Também em entrevista à BBC, Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e chefe de pesquisa econômica do Julius Baer Family Office, criticou o fato de a mudança do IR ter sido anunciada junto ao pacote fiscal do governo.

"O ministro [Haddad] tem dito que tem como objetivo fazer uma grande reformulação dos impostos de renda, com vistas a reduzir o grau de regressividade e talvez tornar os impostos de renda brasileiros mais progressivos. O ministro está absolutamente correto. Agora, isso demandaria uma revisão mais ampla de todos os impostos de renda. Não é isso que foi feito", observou Pessôa, em conversa com a BBC em novembro.

"O que foi feito é uma medida que, no meu entender, é eleitoreira para que o presidente consiga que uma parte da população, cuja maioria não votaria com ele, passe a votar com ele em 2026", acrescentou o economista.

Para Pessôa, será fundamental acompanhar a tramitação do projeto no Congresso.

"O grande medo que fica é o Congresso aprovar a isenção, o aumento da tabela do Imposto de Renda, e não aprovar o imposto sobre os ricos. Aí cria um desequilíbrio fiscal, agrava o problema", observou o economista.

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