Como Oskar Schindler salvou 1,2 mil judeus na 2ª Guerra 'com subornos e blefes'
Agência BBC

Como Oskar Schindler salvou 1,2 mil judeus na 2ª Guerra 'com subornos e blefes'

Oskar Schindler vivia em relativa obscuridade quando a BBC contou sua história pela primeira vez, em 1964.

Foto em preto e branco mostra Oskar Schindler segurando uma foto do Holocausto
Getty Images
Oskar Schindler vivia em relativa obscuridade quando a BBC contou sua história pela primeira vez

Em 13 de março de 1943, os nazistas levaram a cabo a "liquidação" do gueto judeu de Cracóvia, na Polônia ocupada.

O ato de violência abalou um industrial alemão, que se tornaria um salvador do povo judeu: Oskar Schindler (1908-1974). Os eventos foram narrados em A Lista de Schindler – título em português do romance de Thomas Keneally (Ed. Record, 2021) e do filme de Steven Spielberg (1993).

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Oskar Schindler vivia em relativa obscuridade quando a BBC contou sua história pela primeira vez, em 1964. O jornalista Magnus Magnusson (1929-2007) apresentou Schindler desta forma aos telespectadores do programa de atualidades Tonight:

"Você pode não ter ainda ouvido falar nele, mas, um dia, você irá conhecê-lo. Hoje, ele vive na Alemanha; doente, sem dinheiro e sem poder trabalhar. Na verdade, ele vive de caridade, mas não de esmolas."

"O dinheiro que mantém a sua vida e a de sua família vem dos 1,3 mil judeus cujas vidas ele salvou pessoalmente na última guerra. Muitos deles se comprometeram a dar um dia de salário por ano ao homem que eles chamam de Pimpinela Escarlate dos campos de concentração" – uma referência ao herói fictício do livro O Pimpinela Escarlate (da Baronesa Orczy, 1865-1947), que salvou centenas de pessoas da guilhotina durante a Revolução Francesa (1789-1799).

Schindler estava no noticiário naquele dia devido ao anúncio da produção de um filme de Hollywood sobre sua vida, com o título de To The Last Hour ("Até a última hora", em tradução livre).

A ideia do filme surgiu porque, alguns anos antes, o sobrevivente do Holocausto Poldek Pfefferberg (1913-2001) havia contado ao então produtor da MGM Martin Gosch (1911-1973) sua história quase inimaginável. Ele era um dentre inúmeras pessoas que foram salvas por um especulador de guerra nazista – um homem elegante, malandro, amante de mulheres e bebidas, com origem na antiga Tchecoslováquia e que, até então, havia demonstrado poucas qualidades heroicas.

O filme foi suspenso durante seu desenvolvimento, até que, em 1980, Pfefferberg conseguiu conversar por acaso com um escritor australiano desavisado. E aquela conversa mudaria a vida de ambos.

A história de Oskar Schindler só pôde ser contada no cinema graças ao encontro casual entre um escritor australiano e um sobrevivente do Holocausto.
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A história de Oskar Schindler só pôde ser contada no cinema graças ao encontro casual entre um escritor australiano e um sobrevivente do Holocausto

Thomas Keneally estava esperando o tempo passar no final de uma viagem promocional a Los Angeles, nos Estados Unidos. "Meus editores me colocaram em uma grandiosidade à qual eu não estava acostumado, em um grande hotel de Beverly Hills", segundo ele.

Keneally contou ao programa da BBC Desert Island Discs, em 1983, que estava olhando as vitrines em busca de uma nova pasta antes de voltar para Sydney, na Austrália.

Foi quando o dono de uma loja de produtos de couro, "um bom cidadão da Europa central", saiu para cumprimentá-lo e convencê-lo a fazer a compra. Tratava-se do próprio Poldek Pfefferberg.

"Ele realmente produzia pastas muito boas", reconhece Keneally. "E, enquanto eu esperava pela liberação do pagamento no meu cartão de crédito – aliás, percebi que demora muito liberar cartões de crédito australianos; a fama é inevitável – ele começou a me contar sua experiência do tempo da guerra."

"Ele sabia que eu era escritor e disse: 'Tenho um livro para você. Eu fui salvo, e minha mulher também foi salva de Auschwitz por um alemão extraordinário, um homem grande e elegante, sonho de Hitler, chamado Oskar Schindler.'"

"'Tenho muitos documentos de Oskar Schindler. Nos anos 1960, quase foi feito um filme sobre Oskar e, enquanto aguardamos a liberação do seu cartão de crédito, dê uma olhada neste material.'"

"Ele disse ao seu filho que cuidasse da loja e me levou até o banco na esquina, que ficava aberto aos sábados", prossegue Keneally. "Ele pediu que tirassem fotocópias de todo aquele material notável e percebi imediatamente que ali estava um dos personagens europeus mais impressionantes."

Um daqueles documentos ficaria conhecido como a lista de Schindler. E, como Keneally escreveria no seu best-seller, "a lista é vida. Por toda a volta das suas apertadas margens, existe um precipício."

De oportunista a salvador

Pfefferberg nasceu em uma família judaica de Cracóvia, onde ele trabalhou como professor do ensino médio e de educação física até 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Ele, então, entrou para o exército polonês e foi ferido em batalha.

Ele contou a Keneally que, quando a Polônia caiu frente aos nazistas e foi dividida entre a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Stalin, ele precisou tomar uma decisão muito difícil.

"Nós, os oficiais, precisávamos decidir se iríamos para o leste [URSS] ou para o oeste [Alemanha]", ele conta. "Eu decidi não ir para o leste, mesmo sendo judeu. Se eu tivesse ido, teria sido fuzilado com todos os outros pobres desgraçados na floresta de Katyn [na Rússia]."

Pfefferberg ficou preso no gueto de Cracóvia, uma área segregada definida pelos nazistas em 1941. Cerca de 15 mil pessoas de origem judaica foram reunidas em uma área que, antes, abrigava cerca de 3 mil moradores. Eles foram forçados a viver em condições desumanas.

Também era em Cracóvia que Oskar Schindler, membro do partido nazista, explorava a miséria dos tempos de guerra para ganhar dinheiro. Ele assumiu diversas empresas confiscadas de seus proprietários judeus, incluindo uma fábrica de utensílios de cozinha.

No início, a maioria dos funcionários de Schindler eram poloneses não judeus. Posteriormente, ele começou a empregar trabalhadores forçados judeus que moravam no gueto. Pfefferberg foi uma dessas pessoas.

Paralelamente, os nazistas começaram a perseguir com armas de fogo grupos de pessoas judias e deportá-las para os campos de concentração próximos. Para os que ficavam para trás, o clima era de terror.

Até que, em março de 1943, a brutalidade da "liquidação" do Gueto de Cracóvia pelos nazistas mudou Schindler para sempre.

Aqueles considerados aptos para o trabalho foram transportados para o campo de trabalho próximo de Plaszów. Milhares de outros, considerados inadequados para trabalhar, foram assassinados nas ruas ou enviados para o campo da morte de Auschwitz-Birkenau.

Schindler começou a usar seus talentos para a trapaça e a corrupção para salvar seus funcionários da morte. Ele insistiu até convencer os oficiais nazistas de que seus funcionários eram fundamentais para os esforços de guerra da Alemanha e subornou oficiais de alto escalão da SS, a tropa de elite nazista, com álcool e dinheiro.

Sua fábrica produzia cápsulas de munição para garantir que fosse considerada um recurso vital para a guerra. E Schindler listou os nomes, datas de nascimento e qualificações dos trabalhadores judeus, enfatizando sua importância para a máquina de guerra nazista.

Keneally contou à BBC que "virtualmente, o que ele fez foi formar um campo de concentração do bem, não uma vez, mas duas. Ele perdia continuamente suas pessoas e as fazia retornar com suborno, blefes, corrompendo oficiais e explorando a extraordinária burocracia da SS, envolvida de forma absurda e sistemática no Holocausto."

Com o fim da guerra, Schindler enfrentou o fracasso nos negócios e passou a sofrer com o alcoolismo. As pessoas que ele resgatou acabariam tentando resgatá-lo, ajudando financeiramente para o seu sustento.

Oskar Schindler morreu em 1974, com 66 anos de idade. Os sobreviventes levaram seus restos para Israel e ele foi enterrado no Cemitério Católico de Jerusalém. A inscrição no seu túmulo diz, em alemão: "O inesquecível salvador de 1,2 mil judeus perseguidos."

Entre as pessoas que foram salvas, estavam Pfefferberg e sua esposa Mila. Depois da guerra, o casal seguiu para os Estados Unidos e acabou morando em Beverly Hills.

Às vezes, Pfefferberg usava o nome Leopold Page. Keneally registrou em suas memórias de 2008, Searching for Schindler ("Em busca de Schindler", em tradução livre), que este nome foi imposto a ele ao chegar ao posto de inspeção de imigrantes de Ellis Island, em Nova York, em 1947.

Ele contou à BBC que escrever este livro secundário estava na sua lista de afazeres desde a morte de Pfefferberg, em 2001. "Percebi que, da mesma forma que Schindler era um grande personagem, o homem que me trouxe até ele também era uma pessoa extraordinária", segundo o escritor.

Liam Neeson interpretou Oskar Schindler no filme de Steven Spielberg, A Lista de Schindler (1993).
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Liam Neeson interpretou Oskar Schindler no filme de Steven Spielberg, A Lista de Schindler (1993)

Livro e filme premiados

Quando Steven Spielberg ganhou o Oscar de melhor diretor por A Lista de Schindler em 1994, ele declarou em seu discurso:

"Isso nunca poderia ter começado sem um sobrevivente chamado Poldek Pfefferberg... Todos nós temos esta dívida com ele. Ele trouxe a história de Oskar Schindler para todos nós."

O filme foi baseado no romance de Keneally, que venceu o prestigiado Prêmio Booker britânico em 1982.

Houve quem defendesse que ele não deveria ter sido classificado como ficção, já que o autor aplicou técnicas literárias criativas a eventos da vida real, de forma similar a obras como A Sangue Frio (Ed. Cia. das Letras, 2003), de Truman Capote (1924-1984), e Os Eleitos (Ed. Rocco, 2021), de Tom Wolfe (1930-2018).

Recordando 2008, enquanto discutia suas memórias de Schindler, Keneally declarou à BBC que aquele debate foi bom para os negócios.

"Atualmente, os arcebispos não oferecem aos escritores o grande benefício de proibi-los do púlpito, mas uma controvérsia literária traz quase o mesmo benefício dos arcebispos do passado, para a promoção de um livro", comentou ele.

No seu discurso durante a entrega do Prêmio Booker, Keneally agradeceu a Pfefferberg e aos outros sobreviventes que o ajudaram a contar a história.

"Estou nesta posição extraordinária, parecida com a de um produtor de Hollywood quando ele aceita humildemente o seu Oscar, graças a muitas pessoas", declarou ele. "Normalmente, um escritor não precisa agradecer a tanta gente, mas a maioria dos meus personagens ainda estão vivos."

"E também gostaria de lembrar o personagem extraordinário que foi Oskar."

Leia a versão original desta reportagem, com o vídeo da entrevista de Thomas Keneally à BBC em 1983 (em inglês), no site BBC Culture.

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