Por que torcidas organizadas de times de futebol se uniram a aposentados em protesto contra Milei
Agência BBC

Por que torcidas organizadas de times de futebol se uniram a aposentados em protesto contra Milei

A BBC explica como um protesto de aposentados se transformou em um vale-tudo entre torcedores de futebol e a polícia em frente ao Congresso da Argentina.

Torcedores de vários clubes de futebol em manifestação em apoio aos aposentados
Getty Images
Torcedores de vários times de futebol marcharam em apoio aos aposentados na Argentina

Todas as quartas-feiras, há vários meses, um grupo de aposentados tem protestado em frente ao Congresso argentino para reclamar da perda de seu poder aquisitivo.

Mas, na última quarta-feira (12/03), o protesto teve um elemento adicional que se mostrou explosivo: a presença de centenas de torcedores de vários clubes argentinos de futebol, que decidiram se mobilizar em apoio aos aposentados.

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Muitos pertenciam às chamadas barras bravas — como são conhecidas as torcidas organizadas com histórico de violência na Argentina — de clubes como River, Boca, Independiente, Racing, San Lorenzo, Vélez e Huracán, entre outros.

O resultado foi um violento confronto entre os torcedores, que atiraram pedras e outros objetos, e as forças de segurança, que usaram carros-pipa, gás lacrimogêneo, balas de borracha e cassetetes para repelir os manifestantes, que ocuparam as ruas ao redor do Parlamento.

Mais de 124 pessoas foram detidas, segundo o relatório oficial, e pelo menos 46 ficaram feridas, incluindo 26 policiais.

Duas viaturas policiais também foram incendiadas, assim como dezenas de contêineres de lixo.

Enquanto o tumulto acontecia fora do Congresso, dentro do recinto uma sessão na Câmara dos Deputados precisou ser suspensa devido a altercações entre deputados libertários e kirchneristas, que incluíram socos, empurrões e insultos.

A BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, conta como surgiram estes protestos, dos quais também participaram vários sindicatos e organizações sociais.

Confrontos entre os barras bravas e as forças de segurança
Getty Images
Os barras bravas atiraram pedras nas forças de segurança, que reprimiram os torcedores com gás, água e balas de borracha

A origem

Os aposentados foram os que mais sofreram com a "motosserra" do presidente da Argentina, Javier Milei, que realizou um corte sem precedentes nos gastos públicos do país para diminuir a inflação.

Os cidadãos idosos não só perderam renda — com o reajuste das aposentadorias abaixo do aumento do custo de vida em termos reais —, como muitos também viram seu acesso a medicamentos gratuitos ser reduzido.

Para reclamar de tudo isso, em meados de 2024, um grupo de idosos começou a protestar todas as quartas-feiras em frente ao Congresso, no centro de Buenos Aires.

Com o passar do tempo, os protestos se tornaram mais numerosos e também mais violentos, incluindo confrontos com as forças de segurança que reprimiam os manifestantes que tentavam bloquear as ruas ao redor do Parlamento.

Mas, nas últimas semanas, os aposentados contaram com uma proteção incomum: barras bravas de futebol que decidiram começar a marchar com eles para defendê-los de ataques.

Um manifestante em frente ao Congresso
Getty Images
Mais de cem pessoas foram presas e dezenas ficaram feridas

A presença de torcedores começou de forma casual: um incidente entre a polícia e um aposentado, que usava uma camisa do time de futebol Chacarita.

As imagens do espancamento dele, há algumas semanas, levaram os torcedores do clube a participar da manifestação seguinte.

A ideia foi ganhando adeptos graças a uma campanha viral nas redes sociais, que convocava os torcedores de todos os times a participar da marcha de 12 de março.

Torcedor segurando poste com placa de rua durante protesto em Buenos Aires
Getty Images
O protesto ganhou forte adesão de torcedores após campanha nas redes sociais

A frase de Maradona

Curiosamente, muitos se juntaram aos aposentados no protesto em resposta a uma convocação nas redes sociais que tinha como protagonista Diego Maradona, tido como um dos maiores jogadores de futebol da história — coincidentemente, um julgamento que pretende esclarecer as circunstâncias da morte do astro havia começado na véspera da manifestação.

A convocação citava uma frase famosa que o jogador disse em 1992, quando foi questionado sobre um protesto de aposentados em frente ao Palácio da Justiça, onde ele estava.

"Eu defendo os aposentados, como não vou defendê-los? É preciso ser muito covarde para não defender os aposentados", disse ele na época.

"Se ele estivesse vivo, na quarta-feira (...) encheria todo o Congresso", afirmou o usuário @Rachrist161 no X (antigo Twitter) em resposta a um dos muitos vídeos que circularam com a frase de Maradona.

"Na quarta-feira, Diego estará acompanhando todos os torcedores que saírem para defender nossos idosos do flagelo da polícia e deste governo nefasto", postou @laindignidad.

"Estou emocionada com o apoio dos torcedores aos aposentados, e ao ver Maradona tão jovem e com essa determinação e esses valores, quero chorar de emoção. Maradona ainda está vivo no povo", declarou, por sua vez, Adriana Salazar.

"Isso me emociona em relação ao futebol; unir forças em prol da justiça", acrescentou @AdrianLobo_OM.

Mas também houve vários usuários que criticaram a presença dos barras bravas.

"Depois, estes mesmos barras... saem à noite e saqueiam as casas dos aposentados depois de espancá-los", disse @estagrasa.

"Parem de palhaçada! Eles não estão se organizando para defender os aposentados, estão se organizando para não continuarem tirando empregos deles e dos políticos ladrões!", opinou MLB, um defensor do governo.

"Os barras são criminosos: extorquem os dirigentes, vivem do dinheiro dos sócios e das arrecadações das partidas, mais o dinheiro que tiram do time, mais o negócio de estacionamento, alimentação e revenda de ingressos. Os barras são o câncer dos clubes que deveria ser extirpado", afirmou @jmriocaro.

Alguns clubes deixaram claro que não faziam parte da convocação.

"O Clube Atlético Boca Juniors esclarece que nem a instituição nem nenhum de seus grupos oficiais participa nem promove manifestações de natureza política", informou o clube em comunicado.

Polícia reprimindo manifestantes
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A polícia reprimiu duramente os manifestantes

Protocolo antipiquetes

A ministra da Segurança do governo, Patricia Bullrich, que se referiu à manifestação como a "marcha dos barras bravas", afirmou que houve "uma gravidade incomum".

"Essas pessoas que se mobilizam politicamente para derrubar o governo vieram desta vez preparadas para matar", ela acrescentou.

Pela manhã, a ministra havia avisado que o governo aprovou uma nova resolução que proíbe a entrada nos estádios de futebol de quem participa de atos violentos durante manifestações em vias públicas, uma medida que não parece ter dissuadido os torcedores que protestaram por várias horas em frente ao Palácio Legislativo.

Bullrich afirmou que os aposentados e seus apoiadores têm o direito de protestar, mas não de bloquear as ruas, o que é proibido pelo chamado "protocolo antipiquetes" que a ministra — ex-adversária presidencial de Milei — implementou assim que foi nomeada para o cargo.

A ausência de "piquetes" — ou bloqueios de ruas — que por muitos anos foram uma forma comum de protesto, é considerada uma das conquistas de Milei, embora a repressão às manifestações que ocupam vias públicas também tenha sido denunciada por organizações sociais e de direitos humanos.

Carro virado em chamas
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Veículo incendiado durante o protesto da última quarta-feira
Confronto das forças de segurança com manifestantes
Reuters
Enquanto os torcedores atiraram pedras e outros objetos, as forças de segurança usaram gás lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha e cassetetes

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