'Nos vemos no tribunal': a disputa entre Alexandre de Moraes e a plataforma Rumble que envolve até Trump
Ministro do STF exige um representante legal da plataforma de vídeos Rumble para cumprimento de ordens de remoção de conteúdo. Parceira da rede social Truth Social de Trump nos EUA, a plataforma, que voltou há menos de 1 mês ao Brasil, entrou com processo contra Moraes

A plataforma de compartilhamento de vídeos Rumble começou a sair do ar no Brasil no sábado (22/1), após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na sexta-feira (21/2).
Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o site já está fora do ar "para a maioria dos acessos examinados".
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A decisão é mais um capítulo do embate entre a Justiça brasileira e plataformas digitais e aconteceu após Moraes determinar, na quarta-feira (19/2), que o Rumble indicasse um representante legal no Brasil em 48 horas - algo parecido ao imbróglio que tirou o X do ar em agosto do ano passado.
Após a ordem de bloqueio, os advogados do Rumble divulgaram uma nota afirmando que a decisão afeta não apenas a plataforma, mas também o Truth Social, rede social do presidente dos EUA, Donald Trump, "cujos serviços de vídeo dependem da infraestrutura do Rumble".
"O Rumble é uma empresa americana que opera de acordo com as leis dos Estados Unidos. A ideia de que um juiz estrangeiro pode ditar quais conteúdos uma plataforma americana deve remover e quem pode receber pagamentos dentro dos EUA representa um ataque direto à soberania digital dos Estados Unidos. Esse tipo de abuso judicial é exatamente o motivo pelo qual Rumble e Trump Media entraram com uma ação na Justiça Federal dos EUA", diz a nota.
A determinação do ministro brasileiro ocorre no escopo de investigações sobre o blogueiro de extrema-direita Allan dos Santos, que atualmente mora nos EUA e já teve prisão preventiva decretada no Brasil em 2021 por suspeita de atuação em organização criminosa, crimes contra honra, incitação a crimes, preconceito e lavagem de dinheiro
Moraes pediu anteriormente o bloqueio das contas de Santos no Rumble, o que não foi cumprido.
Em sua decisão de sexta, Moraes diz que o Rumble faz uma tentativa de "não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros, para instituir um ambiente de total impunidade e 'terra sem lei' nas redes sociais".
A empresa, diz Moraes, demonstra "intuito de manter e permitir a instrumentalização das redes sociais, com a massiva divulgação de desinformação [...] colocando em risco a Democracia, como já fora tentado no Brasil anteriormente e em vários países do Mundo pelo novo populismo digital extremista".
Em dezembro de 2023, o Rumble já havia se retirado do Brasil por não querer remover conteúdos e só retomou o serviço no país em 8 de fevereiro de 2025, atribuindo a decisão à volta de Donald Trump à Presidência dos EUA. Ou seja, a plataforma só ficou no ar durante 13 dias.
'Nos vemos no tribunal'
Na quinta-feira (20/2), o empresário canadense Chris Pavlovski, dono da plataforma, iniciou uma série postagens em português em sua conta no X, antigo Twitter.
Pavlovski declarou em suas redes que a ordem de Moraes é "ilegal".
"Você não tem autoridade sobre o Rumble aqui nos EUA, a menos que passe pelo governo dos Estados Unidos", escreveu no X.
Na quarta-feira, foi revelado que o Rumble se juntou à empresa de mídia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e está processando Moraes na Flórida por, segundo a companhia, censurar de forma ilegal vozes de direita nas redes sociais.
A empresa de Trump afirma em um comunicado que entrou "com uma ação judicial para impedir as tentativas do juiz da Suprema Corte brasileira, Alexandre de Moraes, de forçar o Rumble a censurar contas pertencentes a um usuário brasileiro baseado nos EUA".
A Trump Media & Technology Group administra a Truth Social, a rede social de Trump. Ambas as plataformas dizem pregar a liberdade de expressão.
As empresas acusam Moraes de infringir a Primeira Emenda da Constituição americana, que trata da liberdade de expressão, por ter ordenado ao Rumble a retirada de contas de alguns comentaristas de direita brasileiros baseados em território americano.
A empresa de Trump não está sujeita às ordens de Moraes. Mas o grupo argumenta no processo que usa tecnologias da Rumble e que poderia ser afetado pelas decisões.
Segundo o Rumble, as exigências de Moraes podem "prejudicar a funcionalidade central do Truth Social dentro dos Estados Unidos".
Alvo de Moares, Allan dos Santos é um ex-seminarista católico e, com o avanço do bolsonarismo no Brasil, se tornou um dos principais porta-vozes da direita radical.
Em 2020, após uma série de manifestações contrárias a ministros do STF, entre eles próprio Alexandre de Moraes, blogueiro passou a ser investigado nos inquéritos que investigam a organização de atos antidemocráticos e de ataques a autoridades.
Allan dos Santos teve prisão preventiva decretada no Brasil em 2021. Segundo o STF, ele se encontra foragido nos Estados Unidos. Em 2024, a Justiça americana arquivou o pedido de prisão e extradição.
O que é o Rumble

Com sede em Toronto, no Canadá, mas com sua operação americana baseada na Flórida, o Rumble foi criado em 2013 pelo canadense de origem macedônia Chris Pavlovski, para "empoderar pequenos criadores de conteúdo" que, segundo a empresa, estavam sendo menosprezados nas grandes plataformas.
"O recente aumento da 'cultura do cancelamento' e o controle subjetivo sobre o fluxo de informações criou uma necessidade acelerada de plataformas como a Rumble, que apoiam opiniões diversas, expressão autêntica e a necessidade de um diálogo aberto", diz a plataforma em seu site.
Como resultado disso, a Rumble se tornou o lar de muitos canais de vídeo – geralmente com uma linha política conservadora – onde as pessoas podem expressar opiniões que poderiam resultar em banimento de outras redes sociais, como YouTube e o antigo Twitter.
A Rumble também cresceu no avanço do chamado "alt-tech". O movimento abarca provedores de serviços de internet e redes sociais que, segundo os críticos, são populares entre teóricos da conspiração e a alt-righ - ou "direita alternativa", movimento de extrema-direita que, entre outras coisas, visa "preservar a cultura branca e europeia".
Em 2023, a empresa se descreveu para a BBC como uma "plataforma neutra que acolhe uma ampla variedade de opiniões".
Uma das personalidades mais famosas entre o público brasileiro que têm um canal no Rumble é o jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil.
Em 2021,o Rumble passou a ser listado na bolsa de valores Nasdaq, nos EUA, e, segundo a Forbes, recebeu financiamento da Narya Capital, empresa de capital de risco fundada pelo atual vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, junto a Peter Thiel, da empresa PayPal.
Os dados mais recentes da Statista, plataforma alemã especializada em coleta e visualização de dados, apontam cerca de 53 milhões de usuários ativos na plataforma.
Embora o foco principal seja o serviço de streaming de vídeos, nos últimos anos a empresa se expandiu para o setor de hospedagem em nuvem na web, oferecendo serviços de computação para empresas como o Truth Social, de Trump.
O Rumble chegou a interromper suas operações no Brasil no fim 2023, após ordens de remoção de conteúdo por Moraes. Algumas haviam sido cumpridas no início do ano, mas, em dezembro, Pavlovski anunciou a saída do Brasil devido às "exigências estrangeiras para censurar criadores do Rumble" - um dos casos envolvia o youtuber conhecido como Monark.
Mas retomou atuação no país em fevereiro de 2025, atribuindo a volta à vitória de Trump nas eleições, sem dar detalhes. Segundo o Rumble, a volta ocorreu porque Moraes havia revogado uma "ordem de censura" contra um alvo brasileiro.
A decisão de Moraes

No mesmo dia em que o Rumble voltou ao ar, 9 de fevereiro, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a plataforma bloqueasse a conta de Allan dos Santos e suspendesse qualquer repasse de recursos oriundos da monetização de seu conteúdo online.
Foi estipulada multa diária de R$ 50 mil caso a medida não fosse cumprida.
Segundo o STF, no entanto, os advogados localizados informaram que não são representantes legais do Rumble no Brasil e não têm poderes para receber citações ou intimações nessa qualidade.
No dia 17 de fevereiro, também segundo o STF, eles renunciaram ao mandato que tinham para atuar em causas da empresa.
Na decisão de quarta-feira (19), Moraes determinou que a Rumble indique representante legal no Brasil e comprove sua regularidade com documentação em Junta Comercial.
"O ordenamento jurídico brasileiro prevê a necessidade de que as empresas que administram serviços de internet no Brasil tenham sede no território nacional, bem como atendam às decisões judiciais que determinam a retirada de conteúdo ilícito gerado por terceiros", diz a decisão.
Em 2023, Moraes já havia tomado atitude parecida. Ele determinou que o aplicativo de mensagens Telegram informasse ao STF seu representante legal no Brasil, sob risco de sair do ar. Na ocasião, o Telegram indicou um nome.
Em 2024, foi a vez do X. Após o fechamento do escritório da empresa no Brasil, Moraes determinou a indicação de um representante pela empresa de Elon Musk, o que não foi feito. O X ficou fora do ar por 39 dias no país.
Processo contra Moraes nos EUA
Em nota, o Rumble afirmou que entrou com uma ação judicial juntamente com o Trump Media & Technology Group, (TMTG) proprietário da Truth Social, contra Moraes, alegando que o ministro "violou as proteções da liberdade de expressão" ao ordenar a suspensão das contas "de um usuário politicamente expressivo e amplamente conhecido com base nos Estados Unidos".
As empresas apresentaram a ação em tribunal de Tampa, na Flórida,
"Nem o Rumble nem o TMTG possuem entidades, operações, empregados, contas bancárias ou negócios no Brasil", diz o comunicado.
A ação diz que as ordens de Moraes violam a política pública dos Estados Unidos e a soberania do país.
Sem dizer o nome de Allan dos Santos, o Rumble diz que o alvo do STF é um "ex-sacerdote e jornalista independente" acusado de diversos crimes pelo simples ato de divulgar informações que Moraes considerou perturbadoras e rotulou como "desinformação".
"Este caso é uma batalha histórica pela liberdade de expressão na era digital", disse o CEO da Rumble, Chris Pavlovski.
Segundo a empresa, a empresa de Trump, TMTG, também é um autor na ação porque depende dos serviços de back-end (parte da infraestrutura da plataforma) do Rumble para o Truth Social, incluindo hospedagem em nuvem e streaming de vídeo.
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