Julgamento no plenário do STF e anulação de delação: os principais pontos da defesa de Bolsonaro
Agência BBC

Julgamento no plenário do STF e anulação de delação: os principais pontos da defesa de Bolsonaro

Em documento de defesa enviado nesta quinta-feira (06/03), advogados do ex-presidente solicitam a anulação da colaboração premiada de Mauro Cid e pedem que a relatoria do processo seja retirada do ministro Alexandre de Moraes.

Bolsonaro com as duas mãos para o ar apontando para o céu
Joedson Alves/EPA-EFE/REX/Shutterstock

Os advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enviaram, nesta quinta-feira (6/3), sua defesa prévia em relação à denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que acusou Bolsonaro de participar de um plano de golpe de Estado após sua derrota nas eleições de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em um documento de 129 páginas, a defesa de Bolsonaro reiterou que o ex-presidente não teria participado do plano, pediu que a denúncia não seja recebida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, caso isso aconteça, que o caso seja julgado pelos 11 ministros do Plenário do STF e não apenas pela 1ª Turma, conforme o previsto.

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Além disso, solicitou a anulação da colaboração premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e que a relatoria do processo seja retirada do ministro Alexandre de Moraes.

Bolsonaro e outras 33 pessoas foram denunciadas em fevereiro pela PGR por crimes como liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, além da deterioração de patrimônio tombado.

A denúncia ainda não foi recebida pelo STF. Caso isso ocorra, Bolsonaro e os demais denunciados serão considerados réus.

Além dele, também foram denunciadas pessoas próximas ao ex-presidente, como os generais Augusto Heleno, que comandou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o também general Walter Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.

A denúncia acusa Bolsonaro de comandar uma estrutura hierárquica com militares, policiais e aliados para impedir a transição de poder após as eleições de 2022. A denúncia cita ainda que Bolsonaro teria participado da edição de um decreto que previa a sua manutenção no poder apesar da derrota por meio da decretação de um Estado de Sítio.

A denúncia entregue ao STF também acusa o ex-presidente de "omissão" nos ataques de 8 de janeiro de 2023.

Naquele dia, um grupo de apoiadores bolsonaristas atacou as sedes dos Três Poderes, em Brasília.

A defesa apresentada pelos advogados do ex-presidente faz parte do processo legal e tenta evitar que a denúncia seja aceita e que Bolsonaro seja considerado réu.

O documento traz uma série de críticas às investigações conduzidas pela Polícia Federal e à denúncia feita pela PGR. Em determinado momento, a defesa classifica a denúncia como uma peça de "ficção".

Ao todo, o documento contém 17 tópicos, distribuídos entre pedidos preliminares e considerações sobre o mérito da acusação.

Confira os principais pontos da defesa apresentada pela defesa de Bolsonaro:

1 - Tramitação no Plenário e não na 1ª turma

Imagem do Plenário do STF
Getty Images
Defesa de Bolsonaro quer que caso seja julgado pelo Plenário do STF, e não apenas pela 1ª Turma da Corte

O primeiro pedido feito pela defesa de Bolsonaro é que o caso contra ele não tramite exclusivamente na 1ª Turma do STF e sim no Plenário da Corte. O STF é composto por 11 ministros divididos em duas turmas, cada uma com cinco integrantes.

Atualmente, o caso de Bolsonaro está previsto para ser apreciado pela 1ª Turma, composta pelos seguintes magistrados: Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino. Destes, três foram indicados pelo presidente Lula: Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino. Luiz Fux foi indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e Alexandre de Moraes pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).

Ao tentar tirar o caso da 1ª Turma, a defesa abre a possibilidade para que o processo possa ser analisado por um grupo maior de ministros, inclusive os dois que foram indicados durante o mandato de Bolsonaro: André Mendonça e Kássio Nunes Marques. Levar o caso ao Plenário do STF também amplia o número de ministros que, eventualmente, poderiam fazer pedidos de vistas, procedimento que suspende o julgamento temporariamente.

Segundo argumento da defesa de Bolsonaro, a transferência do caso para o Plenário está prevista na Constituição e no regimento interno do STF.

"Parece ser inadmissível que um julgamento que envolve o ex-Presidente da República não ocorra no Tribunal Pleno. E não se diz isso apenas em função da envergadura do caso, do envolvimento de um ex-presidente e de diversos ex-Ministros de Estado. A necessidade deriva da Constituição Federal e do Regimento Interno dessa Suprema Corte", diz um trecho do documento.

2 - Moraes fora da relatoria e 'juiz de garantias'

Imagem de Alexandre de Moraes olhando para o lado usando terno
EPA
Advogados de Bolsonaro pedem que Alexandre de Moraes deixe de ser o relator do caso

A defesa de Bolsonaro também argumenta que, para garantir um julgamento justo ao seu cliente, é preciso que seja instituído uma espécie de "juiz de garantias" para conduzir o caso.

O juiz de garantias é uma figura criada em 2019, durante o governo do próprio Jair Bolsonaro, a qual prevê que o juiz responsável pelo caso na fase de investigação não seja o mesmo responsável pela sentença.

A ideia é que essa separação promoveria mais imparcialidade ao julgamento — uma vez que, sem a figura do juiz de garantias, o mesmo juiz que pode ter ordenado prisões preventivas durante as investigações seria responsável pela condenação ou não dos mesmos indivíduos.

A defesa de Bolsonaro argumenta que o caso de Bolsonaro requer a adoção de uma espécie de "juiz de garantias" e pede que o ministro Alexandre de Moraes deixe a relatoria do caso.

"A leitura dos autos mostra que a presidência e condução da investigação foi feita por meio de 8 decisões monocráticas. Ademais, também revela que, em diferentes momentos, há uma inegável aproximação do d. Ministro Relator com a figura dos juízes instrutores existentes em tantos outros ordenamentos", diz um trecho da defesa enviada ao STF.

"Diante do exposto, requer-se que se reconheça a necessidade de distribuir os autos a um novo Relator, antes do recebimento da denúncia, a fim de que sejam aplicadas, respeitadas as diferenças de rito, as regras do juízo de garantias nas ações penais originárias desse E. (egrégio) Supremo Tribunal Federal", diz outro trecho do documento.

"O juízo de garantias, ainda que recente, é mais um desses instrumentos que, no presente caso, tornará efetiva a separação entre a atividade de investigação e a atividade de julgar", finaliza o documento.

3 - Defesa cita falta de acesso a provas

Outro ponto levantado pela defesa de Bolsonaro é de que ela não teria tido acesso integral às provas colhidas durante a fase investigatória do processo. Entre as provas estariam dados extraídos de telefones celulares, computadores e depoimentos.

Em um determinado trecho, a defesa de Bolsonaro afirma que solicitou ao STF o acesso a todas as provas, mas teria obtido o acesso apenas a uma parte do total.

"O HD (disco rígido) externo fornecido à defesa – que deveria conter 'cópia integral do processo principal e todos os apensos do processo em epígrafe, incluindo todas as mídias acauteladas' – trouxe apenas 7 celulares! Em poucas palavras, foi dado acesso à cópia integral do espelhamento destes setes aparelhos, mas negou-se o mesmo acesso aos demais celulares e mídias", diz um trecho do documento.

A defesa argumenta que sem ter o acesso completo às provas colhidas pela acusação, os advogados de Bolsonaro não teriam condições de atuar em igualdade de condições com a acusação.

Um dos pontos mencionados foi a falta de acesso a todas as trocas de mensagens entre denunciados pela PGR, à medida em que algumas delas foram selecionadas e usadas na denúncia.

"Não seria razoável que a Defesa pudesse ver toda a troca de mensagens e destacar os trechos do seu interesse? Por que não pode verificar toda a mídia para saber se a denúncia se sustenta? Ou mesmo para poder indicar as suas testemunhas? E como examinar a cadeia de custódia, quando se disponibiliza apenas trechos de interesse da acusação?", diz a defesa do ex-presidente.

4 - Anulação da delação de Mauro Cid

Mauro Cid usando farda durante um depoimento à CPMI dos Atos Antidemocráticos, em Brasília
EPA
Mauro Cid é considerado uma peça-chave nas investigações contra Jair Bolsonaro

Um dos trechos mais importantes da defesa do ex-presidente é o pedido de anulação da colaboração premiada de Mauro Cid.

Ele foi ajudante-de-ordens de Bolsonaro durante seu mandato.

Após ser preso pela Polícia Federal, Cid firmou um acordo de colaboração com as autoridades nos quais forneceu informações sobre a suposta participação de Bolsonaro em diferentes casos investigados pela Polícia Federal, entre eles o suposto plano de golpe de Estado.

Desta forma, anular o acordo de colaboração de Cid teria um impacto significativo, à medida em que as informações dadas por ele foram a base de parte da investigação.

Na avaliação da defesa, a colaboração de Cid estaria cercada por irregularidades. A principal delas seria a suposta falta de "voluntariedade" de Cid ao delatar.

O argumento é de que ele teria sido pressionado a falar.

"Com o acesso aos autos, a defesa pode, finalmente, analisar os termos em que se firmou o Acordo de Colaboração, bem como os depoimentos e audiências realizadas. Verificou-se, então, tratar-se de colaboração premiada viciada pela absoluta falta de voluntariedade e de uma colaboração marcada pelas mentiras, omissões e contradições", diz a defesa.

Os advogados do ex-presidente citam áudios de Mauro Cid publicados pela revista Veja, em março de 2024, como evidências da falta de voluntariedade dele em sua delação.

Nos áudios, Cid dá a entender que teria sido pressionado pela Polícia Federal a dar informações.

Após a publicação dos áudios, Cid foi chamado para se explicar, admitiu que os áudios eram seus, mas pediu desculpa.

"Ora, o Colaborador afirmou que não havia voluntariedade, mas depois desculpou-se. Em qual versão devemos acreditar? Na ausência de voluntariedade ou no suposto desabafo? Como confiar num delator que desacredita sua própria delação? Não fosse suficiente, meses depois, em relatório específico dirigido ao Ministro Relator, a Polícia Federal apontou mentiras, contradições e omissões nas declarações de Mauro Cid", diz um trecho da defesa de Bolsonaro.

A defesa também afirma que Alexandre de Moraes teria direcionado as declarações de Mauro Cid para que ele prestasse informações sobre o plano "Punhal Verde Amarelo", que, segundo as investigações, previa o assassinato do presidente Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).

"A transcrição da audiência, mais uma vez, é clara. O Ministro Relator, após advertir sobre o risco de prisão e eventual responsabilização de seus familiares – solicitou que o Colaborador prestasse esclarecimentos específicos sobre o Peticionário, objetivamente sobre sua participação na operação conhecida como Punhal Verde Amarelo".

Os advogados de Bolsonaro alegam que ele não teria tido qualquer conhecimento sobre a ação de militares que conduziram o suposto plano.

"No dia 15 de dezembro (de 2022), qualquer ação daqueles militares, que nem sequer se comunicaram com o Peticionário, se dava de forma não só independente, mas contrária aos atos que a acusação imputa ao ex-Presidente", diz a defesa de Bolsonaro.

5 - Falta de ligação entre Bolsonaro e planos golpistas

A defesa do ex-presidente pede que os pontos citados acima sejam acatados e que, ao fim, a denúncia não seja recebida pelo STF.

Ao tratar do chamado "mérito" da denúncia, os advogados do ex-presidente dizem que não haveria evidências de que o suposto plano teria sido posto em prática e que não haveria provas de qualquer participação de Bolsonaro no caso. Segundo a defesa, a PGR estaria criminalizando a atividade política do ex-presidente.

"Desse momento em diante, toda a atividade política do peticionário – que é um político e à época Presidente da República! -, bem como toda a movimentação de assessores, ministros e subalternos, passa a ser integrante de um iter criminis distendido, que ao longo de 18 meses tentou atentar contra as instituições democráticas", disse a defesa.

Iter criminis é uma expressão do latim que significa "caminho do crime".

A menção se refere à denúncia segundo a qual o plano teria sido orquestrado ao longo de 18 meses a partir da transmissão via internet em que Bolsonaro fez críticas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os advogados de Bolsonaro citam que, apesar de ele ser acusado de golpe de Estado, não teria havido nenhum ato violento conduzido ou patrocinado por ele enquanto esteve no poder.

"Deixando de lado a crítica política que se pode fazer ao peticionário, bem como sua opinião sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, pergunta-se: houve emprego de violência ou grave ameaça ao longo de 18 meses? Os poderes constitucionais – leia-se, Executivo, Legislativo e Judiciário – foram restringidos ou impedidos de funcionar? É evidente que não".

Em outro trecho, a defesa de Bolsonaro classifica a denúncia feita pela PGR como uma obra de ficção.

"Ainda que esmerada no vernáculo, a denúncia não pode ser uma peça de ficção, e tampouco preencher suas falhas narrativas com presunções sem nenhum fundamento", defende o documento.

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