O estilo arquitetônico que desperta amor e ódio retratado no filme 'O Brutalista'
Produção independente que teve 10 indicações ao Oscar e venceu três - Melhor Ator, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora - o filme 'O Brutalista' revisitou um estilo arquitetônico do século 20 que desperta amor e ódio.

Produção independente que teve 10 indicações ao Oscar e venceu três — Melhor Ator, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora — o filme O Brutalista revisitou um estilo arquitetônico do século 20 que desperta amor e ódio.
No filme de Brady Corbet, Adrien Brody — que levou o Oscar por sua atuação — interpreta um arquiteto judeu húngaro que migra para os Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial.
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Parte do movimento arquitetônico conhecido como brutalismo, o arquiteto é contratado para construir um enorme centro cultural de concreto para um magnata interpretado por Guy Pearce.
O brutalismo era formado por arquitetos jovens e ambiciosos que desafiavam as convenções da época e movimento anterior, o modernismo do período entreguerras.
Seu nome vem de um jogo de palavras com o termo francês "brut".
"Vem da expressão francesa 'béton brut', que significa 'concreto bruto', 'concreto aparente", diz Fernando Martínez Nespral, diretor do Instituto de Arte e Pesquisa Estética Americana da Universidade de Buenos Aires.
"Embora venha do francês, foram os ingleses que o nomearam assim e, embora as pessoas pensem que vem do fato de os edifícios terem volumes muito grandes, eles o associam ao brutal, mas é simplesmente porque o que você vê é concreto natural, aparente."
O termo "brutalista" foi cunhado e popularizado por Reyner Banham, um crítico de arquitetura inglês da influente revista The Architectural Review.
Nascido na Alemanha, com nome inspirado no francês e batizado na Inglaterra, o movimento marcou profundamente a arquitetura brasileira entre anos 1950 e 1970 — e os edifícios brutalistas desse período até hoje despertam fortes reações nos frequentadores.
Mas o que exatamente é o brutalismo e quais os edifícios que o representam?

Mundo em mudança
É impossível falar de brutalismo sem falar em Le Corbusier.
Este arquiteto e teórico da arquitetura de nacionalidade sueca e francesa criou o projeto Unité d'Habitation, um conjunto de edifícios residenciais feitos de concreto natural.
O primeiro foi feito entre 1945 e 1952 e se tornou uma inspiração para o estilo e o pensamento dos brutalistas.
"É um movimento arquitetônico que surgiu depois da guerra, digamos no final dos anos 50. A partir desse momento, ocorreu o que chamamos de crise do movimento moderno, que nasceu depois da Primeira Guerra Mundial com a ideia de que, como havia um mundo novo, seria um mundo melhor, mais justo, mais pacífico", diz Fernando Martínez Nespral.
Mas com a Segunda Guerra Mundial, ainda mais sangrenta que a primeira, e a subsequente Guerra Fria entre EUA e União Soviética, as rápidas mudanças pelas quais o mundo passou influenciaram a arte e o design.

O modernismo passou a ser visto como "muito frio, muito branco, muito retilíneo e purista, algo que voltou à moda agora com o minimalismo", explica Martínez Nespral.
Assim, a reação da nova geração foi defender exatamente o oposto.
"Na ideia de questionar e fazer as coisas de forma diferente diante do fracasso do que veio antes, eles pensaram que agora poderiam se permitir novamente a expressividade de uma natureza escultórica das coisas", diz o arquiteto.

Concreto aparente
Os arquitetos já conheciam as vantagens do concreto armado — como seu preço e durabilidade — mas até aquele momento ele era usado apenas como estrutura.
"No processo de exploração de todas as possibilidades arquitetônicas, propõe-se que ela possa ser usada não apenas como uma estrutura escondida, mas como algo estético", diz Martínez Nespral.
O material tornou-se popular devido à necessidade de criar estruturas funcionais e baratas, especialmente na Europa, que havia sido devastada pelos estragos da guerra.
Porém, apesar do menor custo do material e de sua simplicidade, a arquitetura brutalista mostra textura, ritmo e movimento, já que o próprio concreto permite a criação de qualquer forma que se queira, quase sem limites.
Brasil e América Latina
O brutalismo se espalhou amplamente na antiga União Soviética, onde o estilo foi transformado em uma bandeira ideológica.
"Foi útil para eles porque é uma arquitetura muito expressiva para usar com propósitos de propaganda. Mas os soviéticos não foram os únicos a usar o brutalismo e ele transcende ideologias", diz Martínez Nespral.
Assim, vemos edifícios brutalistas na Índia, nos Estados Unidos e, claro, na América Latina.
"Há lugares na América Latina onde houve um desenvolvimento especial depois da guerra devido à descoberta de petróleo", diz o especialista, citando os exemplos do Equador e da Venezuela.
Mas também se desenvolveu na região por causa de "governos que implementaram toda uma política de substituição de importações e tiveram que empreender um desenvolvimento industrial forçado para se tornarem autossuficientes e não dependerem da Europa".
É o caso do Brasil, onde a arquitetura do meio do século 20 foi especialmente influenciada pelo estilo.
Mas há exemplos de brutalismo em toda a América Latina, do México à Argentina. Veja alguns dos edifícios mais marcantes.
Sesc Pompeia, em São Paulo

Considerado uma das 25 obras arquitetônicas mais importantes do pós-guerra pelo jornal The New York Times, o edifício do Sesc Pompeia foi projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi nos anos 1970.
O prédio foi construído a partir da estrutura original de uma antiga fábrica que ficava no terreno, que foi incorporada e ressignificada para se tornar o centro cultural.
Ele foi inaugurado em 1982 e até hoje funciona como espaço para shows, exposições, eventos.
O prédio é visível de longe por causa dos dois enormes blocos de concreto aparente que são ligados por quatro níveis de passarelas em ângulos marcantes.
Biblioteca Nacional Mariano Moreno, em Buenos Aires (Argentina)

O maior expoente do brutalismo na Argentina foi Clorindo Testa, nascido na Itália, mas naturalizado argentino. Este edifício pertence a ele, juntamente com Alicia Cazzaniga.
O projeto original previa o uso do espaço existente e a preservação de áreas verdes, e foi feito com construção mínima no térreo, de acordo com o próprio site da Biblioteca.

"Vale ressaltar que a estrutura principal foi feita em concreto armado, o que lhe confere um caráter arquitetônico pensado para permanecer exposto", afirma a entidade.
Desde 2019 é um Monumento Histórico Nacional.
Banco Central da Guatemala, na Cidade da Guatemala

O Banco Central da Guatemala foi projetado pelos arquitetos José Montes Córdova e Raúl Minondo e está localizado no centro cívico da Cidade da Guatemala, um lugar que é Patrimônio Cultural da Nação.
Além dos detalhes arquitetônicos brutalistas clássicos, como o uso do concreto e suas enormes formas, este edifício tem uma peculiaridade: duas de suas fachadas são cobertas por figuras representando imagens da civilização Maia.
Esta parte, que a torna única, também é feita de concreto e foi projetada pelos artistas guatemaltecos Dagoberto Vásquez Castañeda e Roberto González Goyri.
Edifício da Cepal, Santiago (Chile)

O edifício, que é a sede da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina (Cepal), foi construído por Emilio Duhart em colaboração com Christian de Groote, Roberto Goycoolea e Oscar Santelices em 1966.
O projeto foi diretamente inspirado nas ideias de Le Corbusier.
"O edifício tem concreto aparente e um jogo de volumes, além de combinar elementos alusivos à história e à arte da América Latina", diz o site da Cepal.
É uma grande estrutura de concreto armado, robusta e leve ao mesmo tempo, na qual o piso principal aparece sustentado por 28 pilares.
Além disso, a beleza deste edifício está na sua integração com a Cordilheira dos Andes e o Rio Mapocho. Ele tem um lago oval e fontes de água cercados por jardins com aves aquáticas e pavões.
Biblioteca da Universidade Nacional Autônoma do México, Cidade do México

O projeto da biblioteca da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) é de Juan O'Gorman. O edifício é uma das obras mais emblemáticas do brutalismo no país.
Assim como o Banco Central da Guatemala, o prédio integra os preceitos do brutalismo com desenhos típicos da cultura mexicana na fachada.
O edifício foi construído em 1959, nos primeiros anos do brutalismo.
Museu Rufino Tamayo, na Cidade do México

O Museu Rufino Tamayo foi feito na década de 1970 e é obra dos arquitetos mexicanos Teodoro González de León e Abraham Zabludovsky.
É um dos poucos edifícios no México que, desde o início, foi projetado para abrigar um museu.
Ganhou o Prêmio Nacional de Ciências e Artes, na categoria "Belas Artes".
Catedral de São Sebastião, no Rio de Janeiro

Também conhecida como Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, a Catedral de São Sebastião foi inaugurada em 1979 para substituir a Igreja de Nossa Senhora do Carmo como catedral.
Com espaço para 20 mil pessoas, o edifício tem formato cônico e vitrais nas paredes até a cúpula.

Teatro Teresa Carreño, em Caracas (Venezuela)

Assim como o Sesc Pompeia em São Paulo, o Teatro Teresa Carreño, em Caracas, pertence ao brutalismo tardio: foi concluído em 1983.
Desde sua construção, tornou-se um dos mais importantes da América Latina.
Os arquitetos foram Tomás Lugo, Jesús Sandoval e Dietrich Kunckel.
É um edifício que usa elementos do brutalismo para criar uma boa acústica e facilitar o sistema de refrigeração.
Embaixada da Rússia, em Havana (Cuba)

A Embaixada da Rússia em Havana é uma testemunha da prevalência do brutalismo para a União Soviética (URSS), que começou a construção do prédio em 1978.
O edifício só foi concluído em 1987, no entanto, poucos anos antes da dissolução da URSS, em 1991.
A embaixada — que parece uma torre de aeroporto — ocupa um enorme terreno no distrito costeiro de Miramar, onde muitas das embaixadas estão localizadas.
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