Agência BBC

O guarda-costas da vida real de Whitney Houston: 'Fãs obcecados queriam tirar um pedaço dela'

David Roberts passou seis anos protegendo a superestrela enquanto ela viajava pelo mundo.

08:43 | Jan. 23, 2025

Por: Nicola Bryan - BBC News

David Roberts / Cortesia da Chicago Review Press
David Roberts conta que estava preparado para morrer por Whitney Houston como seu guarda-costas.

Whitney Houston (1963-2012) pode ter sido uma das cantoras mais aclamadas da sua geração. Mas, quando David Roberts foi convidado para ser seu guarda-costas, ele não ficou muito impressionado.

"Eu perguntei 'Whitney Houston, quem é ele?'", relembra o ex-sargento de polícia que se tornou agente de segurança pessoal.

Ele passou seis anos cuidando da segurança da superestrela durante suas viagens pelo mundo. E acredita ter inspirado o filme O Guarda-Costas (1992), estrelado por Houston e Kevin Costner.

"Aquilo me abriu os olhos, considerando que sou de uma comunidade agrícola no norte do País de Gales, na península de Llyn", conta Roberts.

"E ali estava eu, viajando pelo mundo, ao lado, certamente, de uma das pessoas mais famosas do mundo, de forma que foi uma experiência interessante", relembra ele, da sua casa em Palm Beach, na Flórida (Estados Unidos).

Trinta anos se passaram e David Roberts, agora com 72 anos de idade, publica um livro sobre o período em que trabalhou com a estrela, que morreu em 2012, aos 48 anos.

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Whitney Houston em 2004, durante a entrega do World Music Awards. A cantora vendeu mais de 200 milhões de discos em todo o mundo

Roberts entrou em 1968 para a Polícia da Força Aérea Britânica (RAF, na sigla em inglês). Ele serviu na Irlanda do Norte até entrar para a Polícia do Norte de Gales, em 1972.

Posteriormente, ele foi transferido para a Polícia Metropolitana de Londres e concluiu seus serviços em 1988 como sargento. Roberts oferecia proteção para chefes de Estado e outras autoridades.

Em 1988, ele trabalhava na Embaixada dos Estados Unidos em Londres, quando conheceu Whitney Houston, que estava em viagem pelo Reino Unido. Ele relembra que a estrela era "uma jovem tímida, inteligente, educada e muito sofisticada".

"Fiquei extraordinariamente impressionado", ele conta. "Sua beleza era excepcional, mesmo depois do longo voo de Nova York até Londres."

Antes do encontro, sua filha o havia atualizado sobre a carreira dela e ele havia saído para comprar suas músicas. "Ela claramente tinha a voz de um anjo", destaca ele.

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Whitney Houston compareceu à estreia de O Guarda-Costas em Hollywood, em novembro de 1992, ao lado de Kevin Costner e sua esposa, Cindy Costner

Roberts e Houston se deram bem um com o outro desde o princípio.

Seu primeiro trabalho duraria três meses, mas ele foi convidado para ser o chefe de segurança da turnê da cantora pelo Extremo Oriente.

"Não consigo imaginar uma personalidade tão importante e tão assediada que fosse mais fácil de ser protegida", relembra ele.

Roberts conta que ela passava a maior parte do tempo no seu quarto de hotel, ao telefone com seu namorado da época, o comediante Eddie Murphy. "Ele é tão engraçado fora do palco quanto em cena, um ótimo cara, gosto dele."

Ele testemunharia posteriormente o tumultuado relacionamento da cantora com o cantor Bobby Brown, com quem ela se casou em 1992. Eles ficaram casados por 15 anos.

"Para mim, é surpreendente que tenha durado tanto", conta Roberts.

"Na verdade, no dia do casamento, todas as pessoas envolvidas na segurança disseram 'OK, pessoal, estaremos de volta aqui no ano que vem para a festa do divórcio'. Nós realmente não acreditávamos que aquilo fosse durar e, ainda assim, ela provou que todos nós estávamos errados."

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Whitney Houston participou da Freedomfest – a comemoração dos 70 anos de Nelson Mandela (1918-2013) no Estádio de Wembley, em Londres, em 1988

Sobre seu próprio relacionamento com a megaestrela, Roberts conta que chegou a conhecê-la "a ponto de precisarmos de muito pouco diálogo quando estávamos em público".

"Eu olhava para ela e sabia o que ela estava pensando, o que ela queria", descreve ele, "ou, se estivéssemos em uma multidão ou eu sentisse um puxão nas costas do meu casaco, era hora de irmos embora."

"Sempre existe este nível de sinergia entre o protetor e o protegido", segundo ele.

Roberts sempre procurava por Houston nos hotéis usando o nome Rachel Marron — a personagem que a cantora interpretaria em O Guarda-Costas. Mas ele insiste que nem tudo no filme é fiel à vida real.

No cinema, os personagens de Costner e Houston desenvolvem um romance, mas ele insiste que foi "mais como um 'tio carinhoso'" para a estrela.

Questionado se teria morrido por Houston, sua resposta é categórica: "Claro que sim."

"Se eu fizesse errado minha lição de casa, se eu errasse a avaliação de ameaças, a preparação ou a gestão de riscos, sim, eu pagaria por aquilo, sim."

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Houston ganhou seis prêmios Grammy ao longo da carreira

E eram muitos os riscos a serem avaliados. Durante a turnê pelo Extremo Oriente, Roberts conta que cerca de 50 fãs foram considerados ameaças em potencial.

"Os fãs obcecados não ficavam felizes apenas em vê-la, nem por estar na sua presença", ele conta. "Eles queriam um pedaço dela e é aí que tudo fica um tanto aborrecido, na minha opinião."

"Tivemos um que escrevia rolos e rolos e rolos de papel higiênico, com todo tipo de comentários mentalmente perturbados. Houve um rapaz na Austrália que costumava mandar suas meias e cuecas sujas."

Ele conta que o australiano escreveu que estaria no show de Houston em Sydney.

"Ele nos deu o número do seu assento e avisou que, quando ela cantasse o bis de Greatest Love of All, ele iria subir ao palco e 'levá-la para conhecer sua mãe no céu'."

Ele foi rodeado por policiais disfarçados, mas o show seguiu até o fim sem problemas.

"Ele não se moveu, não mostrou nenhum sinal de emoção", conta Roberts. "Ela terminou de cantar, ele se levantou, foi embora e nunca mais ouvimos falar dele."

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Whitney Houston e Bobby Brown, seu marido por 15 anos, com a filha do casal, Bobbi Kristina, em 1994

Esta amostra do mundo dos megafamosos fez com que David Roberts questionasse porque tantos jovens buscam o estrelato.

"Ficou totalmente óbvio para mim, desde o princípio, que aquele nível de fama é um preço alto demais a pagar", afirma ele.

Roberts relembra que o único momento em que a estrela conseguia ter algum tipo de vida normal era quando ela estava com os amigos e a família, ou em um quarto de hotel. "Do contrário, nada era normal."

Para Roberts, os anos passados percorrendo o mundo ao lado de Houston também "tiveram um custo" para ele. E, questionado se aquele custo se referia aos seus próprios relacionamentos pessoais, ele respondeu:

"Você teria que perguntar a alguma das minhas três esposas, não sei ao certo."

O emprego chegou abruptamente ao fim em 1995. Roberts conta que, nos últimos nove meses em que trabalharam juntos, ele presenciou a "degradação gradual, mas óbvia" de Whitney Houston.

Ele afirma que nunca observou apetrechos para uso de drogas, mas que presenciava as dificuldades emocionais da estrela com frequência.

"Havia um problema que precisava ser tratado por aqueles que cuidavam dela", ele conta, "não só pela família e pelos amigos, mas pelos executivos que ganhavam milhões e a exploravam ao máximo possível."

"Mas o consenso na época era que Houston não poderia ir para uma clínica de reabilitação, pois seria prejudicial para sua reputação e sua carreira."

Roberts afirma que manifestou suas preocupações.

"Fui informado que 'a srta. Houston decidiu que não irá mais realizar viagens internacionais e, por isso, ela não precisa de alguém com a sua experiência, mas, se ela algum dia decidir viajar de novo, nós ligaremos para você'", relembra ele.

"E este foi o fim. Tecnicamente, foi meu canto do cisne. Foi a bala que eu tomei por ela."

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Whitney Houston morreu na véspera da entrega do Grammy em Los Angeles (EUA), no dia 11 de fevereiro de 2012

Em 2012, com apenas 48 anos, Whitney Houston morreu no seu quarto no Hilton Hotel de Beverly Hills, nos Estados Unidos. Ela sofreu afogamento acidental, causado por doença cardíaca e pelos efeitos do uso de cocaína.

"Foi dolorido. Foi terrível", relembra Roberts. "Você supera o choque inicial e depois a raiva toma conta porque aquilo não deveria ter acontecido."

Em 2015, a única filha de Houston e do cantor Bobby Brown, Bobbi Kristina Brown, foi encontrada inconsciente na banheira em sua casa no Estado americano da Geórgia. Ela morreu seis meses depois.

David Roberts se lembra de Houston saindo de cadeira de rodas da sala de parto com Bobbi nos braços. E de vê-la crescer, correndo e brincando.

"O único consolo que você leva do caso é acreditar que ela [Houston], seu pai, sua mãe e sua filha se reencontraram em um lugar onde ninguém poderá machucá-las novamente", declarou Roberts.

Ele conta que escreveu seu livro, Protecting Whitney: The Memoir of Her Bodyguard ("Protegendo Whitney: memórias do seu guarda-costas", em tradução livre), para "dissipar a raiva" que ele carregava desde a morte da cantora.

"A indústria do entretenimento é selvagem", declarou ele. "Suas exigências são fora da realidade."

"Você pega uma jovem de 20 e poucos anos de idade e a transforma em uma pessoa famosa. Surgem as exigências, você precisa produzir 10 álbuns nos próximos cinco anos. Mas onde está a vida normal? Você não tem tempo para isso."

"Você faz parte da nossa máquina de fazer dinheiro — e é isso o que ela era."