Agência BBC

Por que outros países podem imitar EUA e banir TikTok

Especialistas citam como precedente casos como o das empresas Huawei e Kaspersky, que enfrentaram restrições em diversos países depois de serem acusadas pelos EUA de representarem ameaça à segurança nacional, ainda que sem provas concretas apresentadas pelas autoridades de cibersegurança.

18:07 | Jan. 17, 2025

Por: Joe Tidy - Correspondente de tecnologia da BBC

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Aplicativo será proibido nos Estados Unidos a partir de 19 de janeiro

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, já indicou ser contrário à proibição do TikTok no país, prevista para começar a valer a partir de domingo (19/1), e sinalizou que deve buscar uma maneira de revertê-la.

Caso isso não se materialize, entretanto, seria apenas "uma questão de tempo" até que restrições semelhantes se espalhassem entre países aliados dos EUA, afirmam analistas ouvidos pela BBC.

Em abril do ano passado, o Congresso americano aprovou uma lei para banir o aplicativo, sob o argumento de que ele representa um risco à segurança nacional devido aos vínculos de sua controladora, a ByteDance, com o governo chinês — vínculos que a empresa nega.

Caso isso a proibição de fato seja implementada, os especialistas apontam para episódios anteriores envolvendo empresas de tecnologia chinesas e russas também banidas por motivos de segurança nacional como um possível precedente para a expansão da proibição do aplicativo em outros países.

"Há grandes paralelos entre o TikTok e o que aconteceu com a Huawei, da China, e a Kaspersky, da Rússia, o que indica que é apenas uma questão de tempo até que uma proibição gradual entre em vigor", afirma Emily Taylor, editora do Cyber Policy Journal.

Em ambos os casos, essas empresas foram acusadas pelos EUA de serem uma ameaça à segurança nacional — mas nenhuma prova concreta foi apresentada pelas autoridades de cibersegurança.

O mesmo está acontecendo com o TikTok.

Sob a administração Trump, o software antivírus da Kaspersky foi banido de computadores civis e militares nos EUA após acusações em 2017 de que teria sido usado pelo Kremlin em um incidente de hacking que nunca foi comprovado.

O Reino Unido acompanhou quase imediatamente a decisão e um a um, outros aliados dos EUA alinharam-se com restrições, alertas ou proibições.

Depois de anos, a proibição em todo o território americano entrou em vigor no ano passado. Àquela altura, no entanto, ela já era praticamente redundante. A Kaspersky encerrou suas operações nos EUA e, na sequência, no Reino Unido, afirmando que não havia viabilidade comercial nesses mercados.

A empresa sempre argumentou que o governo dos EUA baseou sua decisão no "clima geopolítico e em preocupações teóricas", em vez de verificar independentemente os riscos.

De acordo com uma pesquisa da Bitsight, o declínio no uso da Kaspersky após a proibição foi significativo não apenas nos EUA, mas em pelo menos 25 outros países, inclusive naqueles sem políticas públicas ostensivas para banir o software.

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Os EUA lideraram uma proibição do Kaspersky

Quase a mesma coisa aconteceu com a gigante chinesa de telecomunicações Huawei.

Em 2019, a Huawei foi considerada pelos EUA como a mais perigosa de uma lista de empresas chinesas de tecnologia, incluindo a ZTE, quando prisões de executivos da companhia trouxeram o problema à tona.

O país acusou a Huawei de ter vínculos estreitos com o governo chinês e argumentou que os populares kits de 5G da empresa não deveriam ser usados na construção de redes de telecomunicações, pois poderiam ser utilizados para espionagem ou interrupção das comunicações.

Um ex-funcionário da Huawei no Reino Unido afirmou que, uma vez que os EUA decidiram pela proibição, bloqueio ou restrição da Huawei, tornou-se quase inevitável que os aliados seguissem o mesmo caminho.

"O Reino Unido e outros países falaram sobre chegar a suas próprias conclusões de forma independente sobre segurança, mas os EUA foram implacáveis em sua pressão nos bastidores. Eles alertaram sobre riscos à segurança nacional que nunca foram respaldados por evidências", disse o ex-funcionário, que preferiu não ser identificado.

A intensa pressão dos EUA sobre aliados em questões de segurança é algo frequentemente observado em várias áreas da política cibernética.

O olhar atento dos Five Eyes

O movimento geralmente começa entre os países da aliança conhecida como "Five Eyes" ("cinco olhos", em inglês), um acordo de compartilhamento de inteligência envolve cinco países de língua inglesa: EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

Até agora, todos os membros proibiram o TikTok em dispositivos governamentais, e alguns emitiram alertas públicos. O Canadá ordenou o encerramento das operações do app no país, citando preocupações com a segurança nacional.

O aplicativo já foi proibido em dispositivos de funcionários do governo, servidores civis ou militares em outros países, como Áustria, Bélgica, Estônia, França, Países Baixos, Noruega e Taiwan.

Como visto com a Huawei e a Kaspersky, o efeito dominó dos Five Eyes pode ser considerável, e outros países influentes, como Alemanha e França, muitas vezes seguem o mesmo caminho.

Ciaran Martin, que foi chefe do Centro Nacional de Cibersegurança do Reino Unido durante as proibições à Huawei e à Kaspersky, concorda que, geralmente, quando os EUA tomam uma decisão estratégica ou de segurança nacional sobre uma empresa, o Reino Unido e outros aliados eventualmente seguem o mesmo rumo.

No entanto, como tudo relacionado ao TikTok, ele ressalta que há uma grande ressalva, representada pelo governo Trump que está por vir.

"O que ainda não sabemos é se o TikTok será uma exceção, já que Trump disse ser contrário à proibição. Ele ordenará que os aliados repliquem a proibição? Ainda não sabemos."

A posição do presidente Trump sobre o TikTok mudou drasticamente desde sua primeira presidência, quando tentou bani-lo. Desde então, ele se tornou um apoiador após sua campanha de reeleição ter ganhado força com vídeos no TikTok.

Emily Taylor concorda que esse fator desconhecido pode tornar o TikTok diferente da Huawei e da Kaspersky.

"Depende de quanta pressão o governo está disposto a exercer", disse ela à BBC.

"Se a agenda de política externa estiver cheia, forçar outros aliados a seguir a proibição pode cair na lista de prioridades e permitir que os países ganhem tempo."

Além do Ocidente

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Huawei iniciou operações na Zâmbia, onde investiu em grandes projetos de infraestrutura digital

Outro aspecto a se considerar sobre o futuro do TikTok após a proibição nos EUA é se o aplicativo pode continuar a prosperar sem uma base de clientes norte-americanos.

Qualquer aplicativo que perca 170 milhões de inscritos sofreria, mas os usuários dos EUA, em particular, são valiosos para criadores, anunciantes e gastos diretos no TikTok Shop.

Se o resto do Ocidente seguir, isso reduzirá o fluxo de recursos para a empresa e dificultará o desenvolvimento de novos recursos, aprofundando ainda mais a dominância de plataformas americanas como Instagram Reels, YouTube Shorts e Snapchat.

O TikTok já está proibido na Índia — outro mercado massivo — e não tem presença na China por causa de seu aplicativo-irmão, Douyin.

São três mercados grandes e importantes dos quais ficará de fora.

A Kaspersky e a Huawei conseguiram resistir às tempestades investindo para as bases de clientes locais e se voltando para regiões como África e Oriente Médio.

Pode ser que o TikTok também construa suas bases de usuários nesses mercados, mas, se a proibição dos EUA se espalhar pelo mundo, ele provavelmente nunca será tão grande quanto é atualmente, e pode acabar desaparecendo lentamente.