Ponto de vista: a simplicidade do ator Domingos Montagner fica para memória da dramaturgia
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Quando cheguei à Redação, a notícia já estava na boca de todos e nos sites afora: o ator Domingos Montagner havia desaparecido no rio São Francisco. Pensei que fosse nova cena de Velho Chico, puxando a dramaticidade final dos últimos capítulos. Demorei a acreditar na realidade; queria, a todo custo, a ficção. (Todos temos direito a 15 minutos de fuga). Mas até onde ouvi o plantão, o ator - e não o personagem - tinha sido abraçado pelo rio.
Fiquei triste, dessas tristezas que não se explicam. Não conhecia Domingos Montagner, ainda que imaginasse uma entrevista com ele. Não era meu parente ou amigo, pelo contrário, era alguém muito distante. Mas era um desconhecido que faz certa falta. Justamente, a falta da beleza. Não a beleza física, mas aquela que reside na simplicidade. Aquela que é invisível aos olhos, que prescinde de definição ou limites.
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AssineEu achava Domingos bonito porque ele não era óbvio. Era apenas ele mesmo na televisão. Domingos não era nome de galã, era nome de um pai de três filhos, de um artista que veio do teatro e do circo, pé na areia. Pele curtida, histórias ainda por fazer. Enquanto, na Redação, esperávamos o engano, atentos ao plantão da TV, um colega comentou que a fama foi atrás de Domingos, quando ele já ia adiante, e não ele quem foi atrás da fama. Eu acho isso bonito, não é?
Domingos Montagner parecia seguir o caminho que o caminhar vai traçando.
Arrisco dizer, com uma novela entre nós, que o ator e o derradeiro personagem se fundiram. Se Domingos emprestou o corpo forte a Santo, pareceu-me, por vezes, que Santo doava-lhe certa alma. Pois é dos encantados a força, mas, principalmente, é deles a simplicidade. Soube de outra coisa que achei bonito, entre a vida e a morte do ator: artista do primeiro escalão da Globo, ele tinha, por educação de menino, recolher seu prato até a cozinha, depois do almoço, admirou-se quem serviu o galã às avessas. É dos encantados também a integridade e a intensidade como se vive, deixando o profundo.
Que morte mais fora de roteiro essa, velho rio... Queria ligar a televisão por estes dias e haver um segundo resgate pelos índios, tão mágico quanto possível. Queria o final feliz de toda ficção.
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